A investigação criminal é uma ciência cada vez mais em voga, potenciada pela grande quantidade de séries policiais que abordam o tema, e o avanço da tecnologia que permite retirar indícios fidedignos da culpa ou inocência dos suspeitos. As inovações são tantas que é cada vez mais difícil cometer o crime perfeito. Uma pequena célula de pele morta, um pequeno fio de cabelo, uma gota de sangue microscópica e o risco de ser apanhado aumenta exponencialmente. É algo, agora, apenas ao alcance do mais obsessivo dos criminosos.
Park Chan-wook traz-nos uma dessas histórias acompanhando a investigação, liderada pelo detective Jang Hae-joon (Park Hae-il), de um possível crime ocorrido numa queda na montanha. A principal suspeita é a mulher da vítima, Song Seo-rae (Tang Wei), que se diz inocente de ter cometido tal atrocidade. Guiado por uma grande obsessão por Song, Jang procura encontrar a verdade do que aconteceu naquela manhã. Culpada ou inocente: Eis a questão.
Todos sabemos da intensidade e atenção ao detalhe na filmografia de Park Chan-wook e este ambiente de investigação criminal só o potencia a uma escala maior. O mesmo acontece com a sua visão obsessiva e “cega” do amor que se revela com particular destaque na dupla protagonista, Park Hae-il e Tang Wei, através das suas palavras mas com um ênfase maior nos olhares e silêncios partilhados. Também as acções e os inúmeros detalhes das suas personalidades são, lentamente, partilhados com o espectador criando, eles também, um retrato complexo cheio de pormenores deliciosos.
Tudo isto é fruto de um argumento labiríntico, mas simples no romantismo, e do talento inequívoco tanto de Park Hae-il como de Tang Wei. Em cada frame, há o cuidado de arriscar, de mostrar novas perspectivas, ideias e soluções para deixar o espectador preso à narrativa e à história dos seus actores principais. O genial fica reservado para o perfeito equilíbrio do sentimento criado de “Lost in Translation”, não relacionado com o filme do mesmo nome mas no facto de a língua mãe dos protagonistas ser o coreano, para Jang Hae-joon, e o chinês, para Song Seo-rae. As emoções e reacções chegam com alguns segundos de atraso e deixam, tanto o espectador como os protagonistas, numa constante espiral de dúvida e tensão. A violência surge intensa (como já é seu apanágio) mas Park Chan-wook parece menos interessado em explorar o lado negro e doentio, tão transversal à sua obra e identidade, e muito mais empenhado em exprimir a ternura e a melancolia da história de amor entre duas almas em completa sintonia, apesar de estarem em lados opostos da “barricada”.
Como é óbvio, toda esta obsessão/atenção ao detalhe acaba por levar a demasiadas explicações e a um sentimento de déjà vu mais perto do final mas sem nunca colocar em causa a integridade do argumento ou a reverência de Park Chan-wook com os seus protagonistas. Teria beneficiado com alguma contenção ou redução nos detalhes mas estaríamos ainda em “território” familiar a Park Chan-wook se assim acontecesse?
Melancólico e romântico, como nunca o tínhamos visto, com Tang Wei a interpretar a mais electrizante femme fatale deste século e o olho clínico na cinematografia de Kim Ji-yong, Park Chan-wook cria a sua própria versão de um noir moderno em que as regras habituais do género são distorcidas e recriadas perante a batuta de um dos grandes mestres do suspense mundial.