Damsel apresenta-se de forma familiar para quem cresceu com histórias de princesas: um dragão, uma jovem donzela, Elodie (interpretada por Millie Bobby Brown), população faminta, honra, um reino encantador, paisagens verdejantes, um belo castelo, um príncipe encantado e um casamento arranjado. No entanto, somos avisados nos primeiros segundos do filme que não se trata desse tipo de história:
“There are many stories about chivalry where the heroic knight saves the damsel in distress. This is not one of them.”
O ambiente de fantasia típico desmorona-se rapidamente e percebemos que a princesa foi atraiçoada pela sua família e está destinada a ser sacrificada a um dragão para salvar o reino de uma antiga maldição. Assim, Damsel apresenta-se como uma tentativa clara de desconstrução dos tropes clássicos de contos de fadas e mostra uma protagonista que revela estar longe de ser a típica donzela indefesa, o plot twist muda completamente o tom da narrativa mas falha em entregar a tensão necessária para ser credível. Apesar de inverter os papéis de género, apresenta uma narrativa básica e previsível que atinge o patriarcado com uma pena e acaba por surpreender apenas por não ter sido escrito por inteligência artificial.
Millie Bobby Brown, conhecida pelo seu papel em Stranger Things (2016 – 2025), têm-se visto em apuros para conseguir libertar-se da sua personagem Eleven e provar o seu talento. Entrega uma performance convincente mas pouco cativante, a sua transição de jovem ingénua para guerreira destemida capaz de enfrentar um dragão é interpretada de forma opaca e superficial, ficando difícil de entender a complexidade emocional da personagem e acompanhar a sua evolução. O papel serve para nos aborrecer com longos silêncios e mostrar a destreza física da atriz.
Gosto de acreditar que o filme não é apenas uma tentativa frívola de subversão do género mas sim uma representação metafórica para o que acontece depois do “e viveram felizes para sempre” que mostra a força necessária para conseguir escapar aos papéis impostos pela sociedade. Nesse sentido, podemos interpretar que o dragão em Damsel representa mais do que uma criatura fantástica mas também o medo e as expectativas sufocantes que as mulheres enfrentam, isso vai-se tornando mais evidente ao longo do filme e acaba por ser confirmado pela forma como termina.
Uma das falhas mais flagrantes de Damsel é o subaproveitamento das personagens secundárias – será consequência de ter a actriz principal como executive producer?. Conseguimos ver uma apresentação das dinâmicas entre as personagens, mas estas não são de todo desenvolvidas. As interações entre Elodie e a família real mostram alguma tensão, mas desaponta em beneficiar da força da antagonista Queen Isabelle e da excelente atriz que a interpreta, Robin Wright. Angela Basset no papel de Lady Bayford, madrasta de Elodie é mais um exemplo do desperdício de talento e da adição superficial de tensão à narrativa. Até o próprio príncipe Henry (Nick Robinson) que é essencial para a narrativa acaba por ser mais um elemento decorativo e sem profundidade. A falta de desenvolvimento das personagens secundárias acaba por isolar a personagem de Elodie e evidenciar ainda mais as fragilidades da interpretação de Millie Bobby Brown. O filme deixa o público com o desejo de um envolvimento mais profundo de Elodie com o mundo ao seu redor e acaba por comprometer o impacto emocional da história.
É possível entender a dificuldade crescente de entregar filmes de fantasia que surpreendam visualmente, Damsel está cheio de lugares comuns e representações do mais cliché e desinspiradas que pode haver. Competente acaba por ser a melhor palavra para descrever não só este, mas mas também muitos outros aspetos do filme. Um certo orgulho nacionalista acaba por me fazer enaltecer as suas paisagens espetaculares e o contributo das locations portuguesas para a construção daquele universo, no entanto, não é suficiente para o tornar memorável. O dragão, apesar de falante, acaba por ser um dos pontos mais fortes, assim como os efeitos visuais que estão bem integrados e são consistentes durante todo o filme.
Damsel termina com uma clássica ride into the sunset depois de entregar, com sucesso, um filme banalíssimo, um típico produto da Netflix disfarçado de uma história feminista. Lançado estrategicamente no Dia da Mulher, parece claramente direcionado a um público muito específico: adolescentes entre os 13 e os 15 anos que querem ver a Eleven a lutar contra um dragão. No entanto, o ponto positivo é que dentro desse target o filme ainda pode cumprir o seu propósito e inspirar as jovens, mostrando-lhes que têm o poder de se salvar a si próprias.