Curtas-Metragens Premiadas da 20ª Edição do FEST

de Francisca Tinoco

A conclusão da 20.ª edição do FEST – Festival Novos Realizadores | Novo Cinema em Espinho, decorrido durante passada semana de 24 de junho a 1 de julho, trouxe uma coleção de novas adições ao já ilustre palmarés do evento cinemático.

Este ano, apesar da sua diversidade, os filmes premiados – que como é habitual percorrem as categorias de ficção, documentário, animação e experimental – têm em comum um cunho muito humano, empático, e até social. Sendo o FEST um festival de novos filmes e novos realizadores, esta seleção de curtas, assim como as duas longas-metragens vencedoras do Lince de Ouro (Echo of You de Zara Zerny e The Adamant Girl de PS Vinothraj), foram realizadas e produzidas por vozes emergentes do panorama nacional e internacional.

LINCE PRATA – FICÇÃO
It Turns Blue – Shadi Karamroudi (IRN)

Esta poderosa curta-metragem iraniana, realizada por Shadi Karamroudi, foi a vencedora do Lince de Prata de Ficção da 20.ª edição do FEST. Em apenas 15 minutos de duração, Karamroudi consegue expor os mais complexos lados da índole humana através da história de uma tia, Pari (Leili Rashidi), que tenta proteger a sua sobrinha, Raha (Hana Dezhagah), dos abusos físicos do pai, Morteza (Mansour Nasiri), ao mesmo tempo que ajuda o seu irmão a escondê-los da ex-companheira e mãe da menina.

O azul aparece um pouco por toda a parte – na tinta que o pai usa para pintar o quarto da filha, na pisadura nas costas de Raha que pai e tia tentam cobrir e nos sentimentos de culpa, nojo e profunda tristeza que preenchem este filme. Dividida entre sobrinha e irmão, Pari funciona quase como uma agente dupla que se desdobra e corrompe para satisfazer e proteger os dois lados. It Turns Blue aplica uma delicadeza profunda na sua representação de uma situação em que nenhuma escolha parece certa.

LINCE PRATA – DOCUMENTÁRIO
City of Poets – Sara Rajaei (NLD)

Dando involuntariamente a mão a It Turns Blue, também o filme vencedor do Lince Prata de Documentário detalha vivências iranianas numa cidade que nunca é nomeada, cujas ruas todas têm nomes de poetas. City of Poets, realizado pela artista e cineasta iraniana-holandesa Sara Rajaei, utiliza imagens de arquivo e um texto minuciosamente trabalhado, que evolui de informativo para pessoal, para retratar os efeitos da guerra na população daquela localização.

À medida que a guerra originava cada vez mais refugiados que encontravam naquela cidade um porto de abrigo, o número de ruas crescia e, sem poetas suficientes para lhes dar nome, utilizaram-se, antes, nomes de escritores, atletas ou árvores – assim, “Ninguém pensava mais em poesia.” A cidade funciona como uma metáfora marcante sobre a sensibilidade dos tempos de paz, desprezada pela violência da guerra. A segunda metade do filme, que vê o narrador mudar também de língua, adota, apropriada e simbolicamente, uma estrutura e tom mais poéticos para contar a história de uma árvore sagrada e amaldiçoada que cresceu no jardim da sua família. 

PRÉMIO PÚBLICO – Curta-metragem
The Distance Between Us – Léo Fontaine (FRA)

Um filme simples, mas incrivelmente eficiente, The Distance Between Us de Léo Fontaine foi eleito o favorito do público do FEST na categoria de curta-metragem. Uma mulher corre de transporte público em transporte público, carregando um saco cheio de roupa, dirigida a um destino que só se torna claro nos últimos minutos.

Fontaine acompanha todos os passos da sua protagonista, criando, no processo, uma narrativa crua e desarmante sobre o amor de uma mãe pelo seu filho, a distância que a vida põe entre os dois, e os obstáculos burocráticos e estruturais que dificultam ainda mais a sua aproximação.

GRANDE PRÉMIO NACIONAL
Seu Nome Era Gisberta – Sergio Galvão Roxo

Seu Nome Era Gisberta foi originalmente criado por Sergio Galvão Roxo e ilustrado por Pedro Velho como uma experiência imersiva de realidade virtual em âmbito académico, mas chegou até ao festival SXSW nos Estados Unidos e teve a sua estreia nacional no FEST, saindo vitorioso na única categoria nacional do festival.

Balançando habilmente a objetividade dos factos e o cariz inerentemente emocionante da história de Gisberta Salce, esta curta reconta a vida da mulher e dançarina brasileira que chegou ao Porto no início dos anos 80 e acabou por falecer em 2006, após repetidos ataques violentos por parte de um grupo de jovens. O texto simples, claro, comedido, mas verdadeiro narrado por Alexia Vitoria, dá a Seu Nome Era Gisberta um caráter quase educativo, tendo Galvão Roxo admitido que a ausência de violência explícita no filme foi uma escolha feita com as escolas em mente. É impossível ficar indiferente a esta história, mas também à forma como ela é estruturada e apresentada neste delicado filme animado.

LINCE PRATA – EXPERIMENTAL
The Eyeball Person – Yuri Muraoka (JAP)

O vencedor da categoria experimental desta edição do FEST vem do Japão com o The Eyeball Person da artista Yuri Muraoka. A partir da mistura livre de géneros, formatos, e materiais, Muraoka cria um estudo assombroso e marcante sobre a sexualidade feminina, sem pudor ou inibições. Pelo meio, entra também o tópico da maternidade e como esta afeta e clarifica a complicada relação de uma mulher com os seus desejos sexuais.

Muraoka tem o dom de gerar imagens e construir sequências que nos apanham desprevenidos, mas deleitam em igual medida. No meio do preto e branco, o amarelo salta da tela, e a figura do girassol transforma-se e desdobra-se em vários símbolos da feminilidade.

LINCE PRATA – ANIMAÇÃO
Tako Tsubo – Fanny Sorgo, Eva Pedroza (DEU)

O síndrome de Takotsubo é um tipo de cardiomiopatia com sintomas semelhantes ao ataque cardíaco que afeta o músculo cardíaco e é tipicamente causado pelo stress físico ou emocional. Também é conhecido por “síndrome do coração partido.” Nesta curta de animação alemã, Fanny Sorgo e Eva Pedroza brincam com esta condição médica para levantar questões sobre a origem do amor. É possível desassociar o amor da pessoa que o sente? Haverá realmente relação entre o amor e o coração?

No filme, um homem consulta um médico perito em remover órgãos para que este lhe retire o coração para poder parar de sentir aquilo que descreve como “o nascer do sol de um lado e guerra do outro.” Entre o conceito incrivelmente original, a animação desenhada à mão num estilo expressionista, e o argumento delicioso, os poucos minutos de Tako Tsubo oferecem um mundo rico em significado e um festival para os sentidos.

A curta tem contribuição nacional da parte da co-produtora Maria Trigo Teixeira.

NEXXT
The Voice of Others – Fatima Kaci (FRA)

Na competição académica NEXXT, o vencedor vem da escola superior de cinema e televisão La Fémis em França, mas The Voice of Others pouco se distingue dos outros vencedores desta edição do FEST, demonstrando uma perícia e um instinto fílmicos de nível altamente profissional.

Fatima Kaci escolhe como protagonista da sua curta Rim, uma intérprete tunisina a trabalhar para o gabinete de imigração Francês, particularmente o departamento que lida com pedidos de asilo. O trabalho dela é traduzir as perguntas dos agentes e as respostas dos refugiados, algo que poderá parecer simples à primeira vista, mas que, num sistema frio e burocrático se torna um pesadelo. Rim sente necessidade de ajudar as pessoas com que se cruza, oferecendo contexto e conhecimentos vitais para fazer justiça às suas vivências e para que os seus pedidos sejam bem sucedidos. Os seus empregadores, claro, não gostam que se desvie do guião ou adicione pontos e vírgulas aos depoimentos das pessoas sob avaliação. Este jogo de forças traduz-se num filme nervoso e emocional que, por meio de uma profissão aparentemente descomplicada, explora tensões relacionadas com a identidade pessoal, étnica e geracional.

FESTinha – Sub10
Writing Home –  Eva Matejovičová (CZE)

Writing Home da checa Eva Matejovičová é amoroso. O filme vencedor da categoria Sub10 da secção do FEST dedicada aos mais novos acompanha a vida de uma formiga depois da sua colónia ter sido dizimada por um fogo, fruto de lixo e descuido humanos. Encontrando refúgio numa escola, a formiga aprende a ler e a escrever, utilizando essas novas competências para conseguir retornar a casa.

Não só Writing Home aborda o tema incrivelmente pertinente da limpeza das florestas e do perigo dos incêndios para os habitats, como arranja tempo para sublinhar a importância da leitura e da escrita na autonomia das crianças. Pelo meio, delicia quem assiste com uma animação tradicional lindíssima e uma trilha sonora cheia de ritmo que teima em sair da cabeça nas horas que seguem a visualização.

FESTinha – Sub12
Canary – Pierre-Hugues Dallaire (CAN)

Em Canary, Pierre-Hugues Dallaire pega numa profissão precária como a exploração mineira e uma situação terrível como o trabalho infantil para percorrer a experiência universal de crescer e sair de debaixo da asa dos pais.

A figura do canário surge como um amigo para o protagonista, um menino que trabalha numa mina de carvão, com quem ele se relaciona. Os canários eram tradicionalmente utilizados nas minas, pois o seu metabolismo detectava fugas de monóxido de carbono com muito mais rapidez que os humanos, permitindo-lhes sair do subsolo antes do gás originar danos significativos. Eram mantidos em pequenas gaiolas e impedidos de voar, algo que o rapaz no centro desta curta faz tudo para contrariar. Apesar das consequências fatais, que representam também os sacrifícios e perdas do final da infância, Canary tem um desfecho marcado pela esperança e o otimismo.

FESTinha – Sub16
El Ombligo de la Luna – Sara Lourenço António, Julia Grupińska, Bokang Koatja, Ezequiel Garibay Cires, Tian Westraad (FRA)

El Ombligo de la Luna conta a história de Nacho e Chavo, filho e pai que após vários anos se reencontram para levar as cinzas da mãe de Nacho até ao umbigo da lua. Esta é uma expressão muito ligada à cultura mexicana, uma vez que o país tem o cognome de “El Ombligo de La Luna” dada a etimologia da palavra “México.”

Esta aventura insólita pelo espaço permite a re-conexão entre o pequeno Nacho e o até então pai ausente Chavo, dando aso a pequenas cenas que apertam o coração e o deixam mais quentinho. É um filme curto, mas cheio de humor e amor. El Ombligo de la Luna junta uma equipa multidisciplinar de animadores e produtores, entre eles a portuguesa Sara António.

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