Cry Macho (2021)

de João Iria

“Now the rooms are all empty

And my pillow’s gone cold to the bone

Guess it’s really never too late

To find a new home”


Estrofe da canção de Will Banister — Find a New Home

O nascer do sol abre esta narrativa com uma paisagem rural do Texas, numa estrada solitária onde somente existe um Chevrolet abatido, ao som da música Find a New Home de Will Banister, que estabelece um ambiente melancólico com uma letra esperançosa acerca de nunca ser tarde demais para iniciar uma nova vida, encontrar uma nova casa ou crescer emocionalmente. Imagens e temas apropriados para o Western; um género marcado por panoramas de desertos estrondosos e por um machismo definido através de certos valores como força, coragem e estoicismo, determinando uma simbólica caracterização popular societária para os rapazes emularem. Esta visão do cowboy é testada na mais recente longa-metragem de Clint Eastwood, Cry Macho que procura explorar o que significa ser um homem.

Baseado no romance de N. Richard Nash, com o mesmo título, o enredo segue Mike Milo (Clint Eastwood), um criador de cavalos e uma antiga estrela de rodeo, que inicia uma viagem até ao México para reaver Rafo (Eduardo Minett), o filho do seu antigo patrão que está a cargo de uma mãe alcoólica e emocionalmente abusiva, e preso a uma juventude sem direção, dedicada a lutas de galos com a sua mascote combativa, chamada Macho — em outras palavras, Mike é contratado para cometer um rapto consensual. Os três percorrem o país de regresso para casa, encontrando abrigo temporário numa aldeia remota como forma de escapar aos federales, e desenvolvendo uma amizade onde aprendem o valor das suas vidas.

O conceito de caminhos traçados repletos de arrependimento sangrento que perdura após o pôr-do-sol é avistado em vários clássicos do Velho Oeste e em algumas recentes obras cinemáticas do género, também observado em outras produções deste realizador, que questionam o significado da sua representação no grande ecrã. Eastwood é um dos maiores ícones masculinos no cinema, com uma estética emblemática gravada na cultura pop, representante do cowboy duro, e a personagem de Mike Milo é um individuo que procura a felicidade na aceitação do amor, reavaliando o seu passado enlaçado na masculinidade, interpretado por um ator de 91 anos, famoso por cimentar estas figuras no cinema. Seria casting perfeito se este filme fosse realizado há 20 anos atrás.

Se Eastwood partilhasse a vitalidade dos seus colegas Martin Scorsese ou Ridley Scott, possivelmente teria funcionado mas os seus passos são de uma pessoa frágil e cansada, como um jogo de jenga humano, prestes a desmaiar a qualquer momento; assistir uma uma mulher de 40 anos sexualmente atraída pelo protagonista ou uma cena onde o ator cavalga e cuida de animais sem qualquer esforço físico é simplesmente estranho e quase cómico. O próprio argumento suplica por um protagonista longe de celebrar um século de vida, com um enredo que envolve um homem, financeiramente poderoso, a pedir assistência a um antigo empregado quase centenário para entrar numa viagem até ao México e recuperar um rapaz criminoso.

Compreendo que existe a possibilidade de perder a maturidade que Eastwood insere na sua performance e realização, particularmente devido ao tema narrativo de nunca ser demasiado tarde para crescer, mudar ou compreender quem desejamos ser — uma perspetiva realçada pela sua idade. É admirável a sua capacidade de permanecer carismático como ator e conseguir realizar com 91 anos enquanto eu, com 28, preciso de esforçar-me para levantar-me da cama sem resmungar com dores. Ainda assim, apesar do valor simbólico da sua atuação nesta longa-metragem, é impossível ignorar a sua idade e a forma como simultaneamente beneficia e prejudica esta história, à frente e atrás das câmaras.

A exposição pouco natural e o argumento pobre revela uma carência de plena introspeção ou interesse em character study necessário para enriquecer o seu núcleo emocional, sem desenvolvimento profundo para o seu elenco ou qualquer forma de conflito credível. Os antagonistas surgem e desaparecem quando conveniente e o tom da realização é demasiado despreocupado para existir qualquer forma de tensão ou receio pelas personagens, resultando num terceiro ato apressado e inconclusivo, como se houvesse demasiado por discutir ou explorar. Estes elementos podem ser desnecessários para uma história sobre paz interior, todavia, a sensibilidade distinta do cineasta exige preocupação e reflexão cinemática e requer uma energia essencial que este não parece interessado em entregar, perdendo a apreciação pela forma artística do cinema e colocando a paixão no aspeto laboral da produção. É um trabalho. 

Uma atitude espelhada na direção de atores, que revelam promessa de talento, retidos pela ausência de takes necessários para atingir o estado dramático fundamental das suas personagens, prendendo o elenco a diálogos apagados que diminuem as suas personalidades a estereótipos. O charme que o cast exibe compensa estas adversidades e mantém a audiência investida emocionalmente, de forma limitada, acabando por não ser sequer suficiente para criar raiva ou tristeza no espetador quando o filme atinge sua conclusão desapontante.

Cry Macho é uma slow ride pelo género Western, que explora a sua associação com masculinidade e reverte as sinopses tradicionais de bandidos e paisagens vastas para um ambiente maioritariamente fechado, substituindo os cenários de tiroteios por uma atmosfera sem conflito predominante. Eastwood cria uma longa-metragem com momentos esporádicos de encanto, sem exigências perante a audiência, que funciona como uma viagem ao passado e recorda que nunca é tarde demais para encontrar uma nova casa. É um sentimento apelativo que acredito firmemente e um conceito que deve ser incentivado; mudança é natural, necessária e inevitável nas nossas vidas. Exceto que, infelizmente, existem instantes em que esta transformação ocorre tarde demais, mesmo que a sua existência seja valorizada e estimulada, as consequências são evidentes. Cry Macho é uma destas consequências.

2.5/5
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