Crítica | Where the Wind Comes From (2025)

de Pedro Ginja

As vozes do cinema, vindas de terras africanas, que chegam às nossas salas são em muito baixo número. Um cinéfilo que se preze conhecerá com certeza o grande Ousmane Sembène, o chamado pai do cinema africano, mas terá dificuldade em nomear muitos mais nomes de tempos passados. Mais recentemente, é certo, outros têm marcado a sua presença como Abderrahmane Sissako, mas o seu alcance estende-se a festivais de cinema ou à casmurrice de quem quer conhecer vozes diferentes no cinema. Não existe falta de produção africana, mas sim uma enorme lacuna na distribuição que impede estas histórias de chegar até nós.

Where the Wind Comes, a primeira longa-metragem de Amel Guellaty, entra nesta categoria de vozes africanas a mostrar um mundo bem diferente do que aquele que experienciamos no continente europeu. Acompanha a história de Alyssa (Eya Bellagha) e Mehdi (Slim Baccar), dois amigos de infância que procuram escapar ao destino que lhes é imposto e encontrar uma vida melhor, e mais feliz, na cidade de Túnis. Mehdi é um artista de vocação mas não vê uma saída para sobreviver a fazer o que ama. Quando Alyssa descobre, através de um cartaz, a existência de um concurso de arte numa cidade vizinha, arrasta Mehdi, descrente na possibilidade de uma vida em que a arte é o sustento, para uma road-trip através das estradas da Tunísia. Esta odisseia, plena de aventura, vai pôr em causa a sua amizade e a sua visão do futuro possível no país que os viu nascer.

Alyssa e Mehdi são amigos desde a infância, com uma história rica partilhada, e por isso era fundamental encontrar um duo de intérpretes que pudesse mostrar no ecrã essa cumplicidade. É por isso refrescante encontrar em Eya Bellagha, que infunde Alyssa com um espírito rebelde e uma fragilidade emocional à flor da pele, e em Slim Baccar, que revela uma sensibilidade artística refinada em Mehdi mas também como está refém do medo de falhar, essa dupla que o filme precisava. E em nenhum momento existe a dúvida que este é um casting bem-sucedido, pois o filme teria falhado redondamente sem esta sintonia entre os dois. Para além do tema da amizade e da importância da família, de sangue ou de coração, também as preocupações sociais estão aqui na ordem do dia. Este é um país em que família, tradição e religião têm um enorme peso sobre a geração mais jovem. Mesmo sendo a Tunísia um dos países árabes com maior liberdade e possibilidades de emancipação, ainda existe um estigma gigante tanto com a arte, como profissão, assim como com o papel da mulher na sociedade e no mundo do trabalho, temas que são muito bem explorados e discutidos aqui, na personagem de Alyssa.

Essa discussão, no entanto, não se leva demasiado a sério, e o filme tem um ritmo escorreito em que a prioridade recai sobre o humor e a leveza das situações que ocorrem durante a viagem. Mesmo quando introduz um factor de ameaça, de um suposto vilão, esse é tratado ou resolvido com uma facilidade extraordinária. Essa poderá ser o maior ponto de contenção relativamente às escolhas que o argumento faz, de simplificar a resolução de certos problemas criados. No final de contas este é um buddy-movie em que o objectivo primordial é concretizar o sonho de um amigo de subsistir como artista e não um retrato realista de como a vida é dura na Tunísia. Essa dificuldade, comum também ao mundo ocidental, de subsistir em sociedade como artista, acaba por nos aproximar ainda mais destas personagens pois as pontes que nos unem não são assim tão diferentes das que nos separam. Essa diferença acentuada está bem patente na selecção musical durante esta road-trip, que poderá não agradar de sobremaneira mas não é para celebrar essa diferença que se procura também o cinema?

O ponto menos positivo é a necessidade de criar alguns twists inoportunos na história e problemas extra onde eles não eram necessários para com isso acelerar a conclusão da história, quando esta parecia estar no ritmo certo para uma conclusão simples e emocional. Esta ainda acontece, em certa medida, mas revela-se demasiado preocupado em apresentar todas as respostas necessárias ao espectador, sem lhe dar espaço para intuir ou sentir com as suas personagens.

Where the Wind Comes From não é um filme perfeito, diria mesmo que é imperfeito, mas é um filme necessário. Frase injusta, dirão alguns, mas que se reveste de uma importância maior por ter África como pano de fundo. O desconhecimento e desinformação relativos a este continente revela medos e inseguranças na nossa sociedade ocidental, que este filme tem, desde logo, pressa em desconstruir. Alyssa e Mehdi fumam, praguejam, discutem sobre sexo, relações amorosas falhadas e riem muito, sempre juntos. É essa relação bonita de amizade pura criada pelo argumento de Amel Guellaty e pela química descomplicada, livre de pressão sexual, entre Eya Bellagha e Slim Baccar, que acabam por conquistar o espectador. E que lufada de ar fresco bem-vinda é esta chegada do Magrebe tunisino chamada Amel Guellaty.

3.5/5
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