Criança Lobo (2022)

de Pedro Ginja

Com a estreia auspiciosa de Coisa Ruim em 2006, o terror aparentava fazer parte do DNA de Frederico Serra. Pareceu o renascer de um terror português ligado à natureza, tradições e lendas da cultura popular mas rapidamente se esfumou nos dois projectos seguintes com qualidade indiscutível mas a trilhar outros caminhos. Foram precisos 16 anos para Frederico Serra voltar ao terror “com sabor a Portugal” neste Criança Lobo. Filmado na zona do Sabugal, Guarda, conta com as interpretações de Rita Cabaço, Rui Silva, Manuel Nabais, Maria João Pinho, Beatriz Maia, entre muitos outros.

Reza a lenda numa aldeia portuguesa do interior do país, que uma criatura da floresta realiza desejos em noites de lua cheia. Uma jovem camponesa de nome Maria (Rita Cabaço), desesperada por engravidar, pede à “criatura” um filho que possa chamar de seu. No entanto, com o desejo, vem também uma maldição que diz que a criança trará à aldeia “dentes e sangue”. Constantemente perseguido pelos aldeões e atormentado pela sua natureza animalista, João (Manuel Nabais) torna-se homem e tem de descobrir o seu lugar no mundo com a ajuda de Rosário (Beatriz Maia) e Judite (Maria João Pinho), apelidadas de bruxas, e as únicas capazes de quebrar a sua maldição – A maldição da Criança Lobo.

Recordo-me de assistir a Coisa Ruim no saudoso cinema Monumental e relembro ver algo nunca visto no cinema português comercial, um filme de terror em que éramos transportados para esta “nova realidade”. Falar de terror, em português, era algo surreal e desconhecido no panorama cinematográfico do país surgindo como uma lufada de ar fresco ao explorar o interior do país, suas lendas e tradições mas com maior ênfase nos medos e superstições. A fórmula repete-se com o inteligente uso do espaço, adereços, luz e décor permitindo ao espectador acreditar neste interior de Portugal e neste mundo em que habita o natural, o fantástico, o divino e o profano, sempre em luta constante. 

Na interpretação, o reduzido tempo do filme (apenas 80 minutos) não permite a criação de personagens complexas. Pedia-se mais algum tempo, principalmente, para estar com João e Rosário cuja relação pessoal nem tem tempo de ser explorada. Existe apenas tempo, no argumento, para as usar no rápido avançar da história com a notável excepção de Rita Cabaço, no papel de Maria, que explora um passado em que o papel de mãe era fulcral para a integração na sociedade. Nota-se, em Rita Cabaço, essa constante pressão e o lento caminhar para a loucura de alguém que ama como mãe mas cede à angústia e ao medo dos que a rodeiam. O desconforto cresce no espectador e é difícil manter o contacto visual com esta mãe sozinha contra o mundo. A única “personagem” capaz de lhe fazer frente é uma árvore, de relevância extrema na história, que “respira” terror e se alimenta dos medos de toda uma aldeia.

O regresso de Frederico Serra a estas aldeias do interior profundo do nosso país prova a sua importância na diversidade do panorama cinematográfico português pelo uso inteligente das lendas e tradições populares na criação de um filme imersivo de elevada qualidade técnica. Que o próximo “abraço” de Frederico Serra ao terror não seja daqui a uma década é o nosso mais profundo desejo.

4/5
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