Zombies são um dos monstros do terror mais reconhecidos em todo o mundo, desde a sua criação por George Romero em Night of the Living Dead, no ano distante de 1968, que criou o paradigma da sua lentidão, perda da fala e uma ânsia incontrolável por carne humana. Têm sofrido imensas “mutações” desde a sua criação, e os clichês foram-se alterando com o tempo, mas a única constante continua a ser o gosto por entranhas humanas. Sempre de nicho e longe do mainstream, acabou por entrar, de rompante, na realidade actual com The Walking Dead (2010-2022), uma série da AMC que juntou um cenário apocalíptico à criação de uma “nova família” por necessidade e em constante luta pela sobrevivência num mundo que, literalmente, os quer consumir. Os subtextos e ligações com os problemas da vida real sempre foram outra constante neste género, usando-o como metáfora ou crítica directa às mudanças, ou à falta delas, numa sociedade sedenta de um novo rumo.
É impossível falar de Coupez! (em inglês Final Cut) sem falar do filme japonês, mundialmente conhecido como One Cut of the Dead (2017), de Shin’ichirô Ueda, por se tratar de um remake do mesmo. Ambos os filmes pegam no fenómeno dos zombies de um modo cómico e surreal, acompanhando as filmagens num filme de zombies enquanto acontece, na realidade, uma verdadeira invasão no set e todo o processo de produção continua como se nada se passasse. The Show Must Go On, mesmo com sangue e vísceras.
Uma premissa deveras interessante e que foi o primeiro “selling point” para captar a atenção do espectador. Além disso, é também apelativo o facto de ser realizado por Michel Hazanavicius e contar com Romain Duris no elenco, duas referências no cinema francês actual. Como é óbvio a presença de talento não é sinónimo de qualidade – como infelizmente vemos em demasiados filmes – e no início deste, o sentimento aponta nessa direcção.
O look de série B é rapidamente estabelecido e os diálogos de fraca qualidade também, apenas amenizados com o uso de comédia, durante as pausas de gravação, que nos fazem continuar ligados à história tempo suficiente para nos deixar envolver na estrutura muito inteligente de todo o enredo. O argumento e a sua estruturação não linear elevam tanto a narrativa que a transformam, passando de um filme básico de comédia de terror de série B sobre um realizador desesperado por sucesso, para um drama cómico de terror com um elevado número de subtextos desde a harmonia familiar, o egocentrismo das estrelas, o trabalho de equipa como catalisador do sucesso e de como fazer cinema é uma constante busca de soluções, mesmo as menos convencionais, cheia de suor e lágrimas.
Não reinventa a roda pois segue as pegadas de Shin’ichirô Ueda na estrutura e no argumento apresentado (até os nomes das personagens se mantêm iguais à versão original) mas Hazanavicius e Duris trazem esta história a uma maior audiência, cada vez mais sedenta por propostas originais que quebrem os habituais estereótipos estabelecidos no cinema de terror/comédia, e Coupez! consegue-o com distinção.