Fletch, o personagem, já tem uma história prévia que remonta aos anos ’70. Criado por Gregory Mcdonald, em 1974, com o primeiro livro de nome Fletch, a sua enorme popularidade levou a um grande número de sequelas e prequelas que envolvem a presença do protagonista de nome Irwin M. Fletcher aka Fletch. Adaptado ao cinema em 1985, com Chevy Chase no papel principal, foi um grande êxito de crítica e bilheteira. A sequela foi inevitável com Fletch Lives (1989) mas o terceiro filme acabou por nunca acontecer. Num constante limbo de pré-produção nos anos ’90 e 2000 com Kevin Smith na realização e com Ben Affleck, Brad Pitt, Will Smith, Jimmy Fallon e Adam Sandler ligados ao papel de Fletch. Ao longo das décadas seguintes surgiram outras hipóteses, nunca materializadas, e só em 2022, finalmente, surge este Confess, Fletch.
Este filme baseia-se no segundo livro da saga, com o mesmo nome, e acompanha Fletch (Jon Hamm), um repórter de investigação em busca de um conjunto de quadros desaparecidos, muito valiosos, enquanto é acusado do assassínio de uma mulher. Não é spoiler dizer que a introdução do filme começa com a descoberta dessa mulher morta, na casa que acabou de alugar. Fletch vê o corpo, pega no telefone e, sem perder a calma, chama a polícia livre de qualquer sinal de pânico. Assim, está estabelecido logo à partida quem é Fletch. Um homem calmo e decidido, que tem de provar a sua inocência e encontrar o ladrão responsável pelo roubo dos quadros, enquanto espalha charme e sarcasmo com quem se cruza.
São estas as suas armas de combate e Jon Hamm é exímio a usá-las com mestria revelando-se como a principal razão do sucesso deste filme. Mas não está sozinho e conta com a ajuda de uma galeria de personagens secundários deliciosos desde os consagrados Kyle MacLachlan, como um vendedor de arte germofóbico, e Marcia Gay Harden, como uma condessa italiana sem filtro. No lado dos desconhecidos temos Roy Wood Jr., um detective sempre cansado (recém-pai), Ayden Mayeri, outra detective bem trapalhona, e Annie Mumolo, uma louca irresponsável (em todos os sentidos e mais alguns). Apenas alguns destaques de tantos outros que vão passando pelo ecrã e deixando também a sua marca indelével, mesmo que apenas por alguns minutos.
No argumento existem bons trocadilhos e variações constantes no tipo de humor utilizado, por vezes em demasia, acabando por falhar tanto como as vezes que acerta, mas garantindo sempre uma boa disposição e leveza na história. Falta, por essa razão, alguma coragem de tornar este Fletch mais irreverente e corajoso na sua opinião do mundo actual mas opta pelo seguro e confortável (apesar do inexplicável rating 18+ obtido nos EUA). A nível visual e sonoro é competente mas peca pela pouca originalidade e vontade de procurar uma identidade visual diferente de tantos outros filmes produzidos pela “máquina” de Hollywood.
Confess, Fletch é um triunfo para Hamm. Greg Mottola actualiza o personagem de Fletch, criado nos anos ’70, para os tempos modernos e descobre na mestria de Jon Hamm, e numa notável panóplia de personagens secundárias únicas que elevam a história para além do seu argumento, o veículo perfeito para o fazer, mas nem sempre acerta no tom cómico pretendido. Uma aposta segura e competente com um olho na criação de um legado de nome Fletch. Bem-vindo de volta.