O conclave não é apenas um dos segredos mais bem guardados da Igreja Católica, mas possivelmente do mundo. Por detrás das portas da Capela Sistina, o Colégio de Cardeais reúne-se numa cerimónia tão antiga quanto enigmática, na qual cada gesto e cada silêncio carregam o peso de séculos de tradição. Neste ritual velado, um seleto de homens é incumbido de guiar o rumo da fé católica ao escolherem o próximo Papa. Assim, Conclave visa retratar a aura de mistério e de poder que envolve esta eleição, oferecendo um vislumbre cinematográfico deste processo repleto de pompa, intrigas e tensões, baseado no livro homónimo de Robert Harris.
O Papa está morto. Com o seu corpo ainda estendido na cama, o Colégio de Cardeais Católicos movimenta-se para os aposentos de Sua Santidade com a missão de assegurar o seu sucessor. Entre eles está o Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes), Decano do Colégio, que relutantemente assume a responsabilidade de organizar o conclave. Embora o motivo do seu desagrado não seja imediatamente evidente, Lawrence revela em segredo a Bellini (Stanley Tucci), um cardeal liberal, que tem enfrentado o que chama de uma “crise de fé” — não em Deus, mas na Igreja enquanto instituição. No meio dessa crise chegou mesmo a apresentar a sua renúncia ao falecido Papa (Bruno Novelli), pedido o qual foi recusado, possivelmente prevendo o caos que se seguiria à sua morte e confiando a Lawrence a tarefa de conduzir o processo.
Se o Decano é assombrado pela dúvida, ele demonstra uma certeza arraigada de que, de entre os quatro candidatos ao cargo, Bellini é a escolha certa. Contudo, o conclave promete ser tudo menos uma tarefa simples, trazendo revelações que erguerão novos obstáculos. Numa sala de homens ditos santos, os 118 cardeais não estão livres das tentações da ambição e da inclinação humana para o jogo do poder; na realidade, essas vulnerabilidades humanas costumam esconder-se sob a aparente solenidade dos seus solidéus vermelhos.
A lição didática de Conclave parece assentar em duas premissas: primeiramente, que a dúvida pode ser benéfica e reveladora, mesmo na Igreja; segundo, que o poder só deve ser confiado àqueles que não o cobiçam para si mesmos. Esta mensagem ganha um tom liberal ao apresentar a dúvida e o altruísmo como virtudes espirituais e qualidades necessárias num líder religioso.
As atuações são, como era de se esperar, excecionais: Fiennes orquestra um conclave de celebridades que consegue dar vida, com credibilidade, a uma representação ficcional de um dos eventos mais sigilosos do mundo. Cada ator traz uma profundidade única à sua personagem, contribuindo com diferentes nuances para um guião muito bem adaptado – seguramente, integrará a lista de nomeados ao Óscar nessa categoria. Por sua vez, foi adotada uma atenção minuciosa na direção do filme que evoca a estética e o ritmo de um thriller policial. A sinergia destes elementos transporta-nos diretamente para o coração do Vaticano, num registo voyeurista.
Edward Berger, realizador, desenvolve um trabalho que valoriza e enfatiza o silêncio e os pequenos gestos, transformando uma estória maioritariamente estática, com muito diálogo e personagens frequentemente sentadas, numa obra que tira pleno proveito dessa quietude. Embora a narrativa mantenha um ritmo lento, nunca se torna monótona, graças a uma cinematografia repleta de planos majestosos. A opulenta banda sonora de Bertelmann acentua os gestos e silêncios que permeiam o conclave, com composições protagonizadas por violinos, transformando cada nota num eco das emoções contidas e da tensão palpável no ar.
A previsibilidade do final é mitigada pela cativante jornada até lá, repleta de reviravoltas inesperadas. Cada plot twist, cuidadosamente colocado na narrativa, enriquece a experiência, tornando a narrativa não apenas envolvente, mas também um prazer constante. Embora o clímax possa inicialmente parecer um pouco fora de lugar, acaba por refletir a mensagem que Lawrence tanto enfatiza ao longo do filme, criando um círculo perfeito capaz de ligar todos os elementos de forma coerente.
Em Conclave, a intersecção entre certezas e incertezas emerge como um tema central, revelando que, num mundo repleto de tradições, as perguntas muitas vezes são mais importantes que as respostas. Assim, numa sociedade dominada por certezas, a verdadeira liderança exige coragem para confrontar a dúvida e a complexidade da condição humana. Desta forma, Conclave destaca-se como uma das melhores surpresas do ano.