“There is a difference between doing something and letting something happen. There has to be. They live on the same street, though.”
– Jill, Coming Home in the Dark
Entre os espaços remotos da Nova Zelândia, um carro abandonado numa estrada vazia com a porta do condutor aberta, conta uma história de perigo iminente livre a alastrar-se pelo deserto, como um vírus secreto que consome toda a superfície em seu redor. Uma imagem que instala apreensão e inquietação no espectador, criando uma desoladora ameaça nestas paisagens harmoniosas, é somente um ponto despercebido para uma família numa viagem de carro, à procura de um lugar para fazer um pequeno e privado piquenique, e depois regressar a casa ao fim do dia. Enquanto esta aventura familiar decorre, a audiência sente o permear de violência pelo ar, acompanhado por uma sensação temível de espera pela chegada desse perigo, que invade os momentos de felicidade partilhados pelos recém-casados, Alan “Hoaggie” Hoaganraad (Erik Thomson) e Jill (Miriama McDowell), e os dois filhos de Jill, Maika (Billy Paratene) e Jordan (Frankie Paratene).
Assim arranca Coming Home in the Dark, um thriller psicológico baseado na short story de Owen Marshall com o mesmo título, acerca de uma família presa num passeio-pesadelo com dois homens estranhos, que aludem uma desconhecida familiaridade perante Alan. Esta narrativa intensamente desconfortável marca a estreia de James Ashcroft nas longas-metragens como realizador, e explora uma viagem tenebrosa aos segredos abandonados do passado e o seu trágico destino.
O argumento, co-escrito por James Ashcroft e Eli Kent, delineia um trajeto medonho e niilista que atravessa as histórias comuns do subgénero low budget de terror, onde uma família é atormentada por estranhos, com uma direção cheia de suspense designada a confrontar temas como os efeitos da cumplicidade nos sistemas institucionais e o legado da violência. Os diálogos, abertos com uma pacificidade pavorosa pelo criminoso conversador, Mandrake (Daniel Gillies), perfuram similares tópicos como casualidade e a batalha entre natureza e criação, e emitem um after taste de desespero e a consciência que, por vezes, os efeitos viscerais numa pessoa são permanentes.
É uma narrativa com um ambiente frio, prestes a estilhaçar a qualquer momento, providenciado pela realização e pelos excelentes atores principais que alimentam o mistério desta história e incitam a sua intensidade através dos gritos exasperados suplicantes de Erik Thomson, das palavras suspeitas de Daniel Gillies e do silêncio perigoso do seu parceiro no crime, Tubs (Matthias Luafutu). A performance de Gillies, especificamente, sinaliza uma das personagens mais desconfortáveis dos últimos anos neste género, como um homem que retira um prazer infantil na tortura que provoca às suas vítimas.
O ardor de observar o sofrimento desta família é sentido no corpo, pela direção de fotografia febril, onde as luzes dos médios de um carro se assemelham à entrada num novo nível do Inferno. São visuais que acorrentam a audiência dentro desse carro, cravada no seu assento como reféns, ansiosamente à espera do próximo passo. Os sinais iniciais que indicam ideias clichés transformam-se rapidamente num evento noturno arrepiante, em que cada instante é um arrependimento e cada segundo uma oportunidade perdida de escapar desta angústia física e emocional. Contudo, na noite insere-se a insegurança e a incerteza em todas as ações e pensamentos pois tudo o que pode funcionar pode também ditar o fim das personagens; motivos suficientes para permanecer sentado no lugar do passageiro.
Coming Home in the Dark é uma viagem arrepiante que cria medo numa estrada vazia e no conceito do retorno a casa. Sejam as casas de infância, juventude, do passado ou do futuro, esta é uma obra que compreende que um dos elementos mais assustadores da nossa existência surge no desconforto dessas portas permanecerem sempre abertas.