Cocaine Bear (2023)

de Rúben Faria

Que moca de filme!...

Realizado pela também atriz Elizabeth Banks, esta mistura de comédia negra e sádica com monster gore flick, é uma aventura insana, surpreendentemente baseada em factos reais. Tem como premissa um urso que encontra e ingere quantidades ridículas de cocaína perdida por toda uma floresta, levando o animal aos cumes da agressividade, causando o caos e a carnificina.

Antes que fujam a sete pés, vou começar pela força maior que impulsiona a que Cocaine Bear possa ser aproveitado: claramente existe uma ideia nítida do que quer ser e de que quer ser algo diferente e muito próprio. O resultado dessa ideia acaba por ser questionável, mas a verdade é que é uma obra que tira muito dos dois estilos já falados. Quando o filme decide entregar uma cena totalmente a algum destes géneros, vemos uma amálgama de situações e ideias brilharem e roçarem a conversa do bom e até do brilhante. Existem momentos de total ridículo, de nonsense, de dúvida entre nojo e riso aquando do despedaçar de um humano por parte de um urso viciado em cocaína. Existem também momentos de ameaça de tensão, de medo e inquietação por sabermos do que o perigo iminente é capaz. Mas no final de tudo isto, a execução e gestão destas ideias e estilos traem-se a si mesmas pela falta de coerência na tonalidade da experiência e no fio da narrativa.

Um dos momentos onde isso se torna evidente é quando nos apercebemos da quantidade absurda de personagens que habita esta tentativa de história, sendo esse número digno de um grupo de personagens a seguir numa série de várias temporadas… só que em uma hora e meia. Cocaine Bear dá-se ao trabalho de dar um pequeno/médio, mas incómodo, backstory a todas as personagens envolvidas nos massacres do animal da cocaína, mas a verdade é que é desnecessário saber o que cada uma destas caricaturas vive na sua vida pessoal e tem em jogo, quando deparados com a morte quase certa. O filme chega ao ponto de querer ser emocional e de querer fazer-nos sentir algo por algumas destas personagens, mas a verdade é que não é o filme certo para tal, não se introduz nem se pinta para ser assim, por isso quando a emoção forçada aparece, é só desconfortável.

As suas personalidades extravagantes, e um quanto estereotipadas, são aceitáveis e mostram-se suficientes para nos rirmos das suas reações aos acontecimentos estapafúrdios, não necessitando de todo aquele enredo contextual mal conseguido. Aliás, toda esta preocupação com as personagens humanas retira atenção e protagonismo ao detentor do título do filme, o nosso querido urso já por esta altura toxicodependente, que acaba por nunca ser foco do filme e ser nada mais do que o monstro do qual os humanos têm de fugir – exceto no último ato, onde parecem lembrar-se dele e dar-lhe algum relevo.

Tecnicamente, há também que salientar o surpreendente resultado de toda a construção visual e auditiva, juntamente com figurinos, cenários e efeitos visuais. Para um filme com um orçamento relativamente baixo, o CGI está a par dos mais abastados blockbusters dos dias de hoje, com o urso viciado e as suas ações grotescas a serem destaque pela sua plausibilidade no meio da extravagância. O limite financeiro também aguentou bem com os sets e adereços de todo o tipo, em conjunto com um elenco forte, com algum nome e relativamente extenso. Esse elenco esteve minimamente sólido, com alguns mais fortes do que outros, e até se nota alguma diversão por parte do mesmo, o que é um requisito crucial para a energia deste filme.

No entanto, a realização e a montagem ficam aquém do resto, e são dos maiores contribuintes para a inconsistência de tom que existe, logo atrás do argumento. Há que louvar que Elizabeth Banks arrisca muito mais e vincula uma visão bem mais moldada aqui, do que fez com qualquer um dos seus trabalhos anteriores atrás das câmaras. Ainda assim, nota-se uma fragilidade e insegurança muito grandes na sua direção, não conseguindo levar o barco a um rumo certo e seguro, principalmente com uma premissa tão caótica. Sente-se que o filme tem medo de assumir as suas próprias inspirações, as suas raízes de comédia negra e gore, e por isso, utiliza as suas ferramentas visuais com receio, fugindo de assumir uma identidade própria total e acabando por ficar extremamente genérico e longe do seu potencial.

A montagem também dá tiros no pé, seja na sua junção e organização de cenas, como nos cortes entre planos, que causam estranheza e confusão. Chega ao ponto de apresentar as suas inúmeras personagens num estilo que parece telenovela, ao saltar de situação para situação como um agente imobiliário a mostrar uma casa, acabando por não se focar em nenhum grupo nem indivíduo e passar o filme inteiro sem saber quem acompanhar. Vai também uma menção rápida para um clímax extremamente mal iluminado, ou mal conseguido na pós-produção, devido à escuridão sem realce de contornos, que até na sala de cinema se provou difícil de conseguir decifrar e acompanhar as ações mais básicas.

Ficamos então com um filme que pode ser um bolo bem saboroso ou um cozinhado um pouco duvidoso. É requisito obrigatório para todos os espectadores que desliguem os seus cérebros antes do seu visionamento, e por favor não sujem a sala com pensamentos demasiado artísticos – como eu fiz. Para total aproveitamento da experiência, aconselha-se que se sintam confortáveis na cadeira e se deixem levar pela projeção, fazendo um esforço para não distraírem os outros com apontamentos picuinhas sobre o filme – como eu fiz. Depois desta alegoria estranha, e um pouco irónica, espero que esteja mais claro se Cocaine Bear é um filme para vocês ou se devem ignorar e seguir para o próximo.

3/5
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