As montanhas da Etiópia ocupam a imagem com uma grandiosidade majestosa divinal, ligeiramente ofuscadas por nevoeiro enquanto as árvores dançam com um ritmo musical pacífico, lideradas pelo vento, e a água escorre entre as rochas irregulares, percorrendo as cascatas com uma coreografia própria que representa o ambiente em movimento. Esta ação escapa pelos olhos em circunstâncias rotineiras, pertencendo a um patamar longe do extraordinário devido à normalidade e naturalidade do ato. Quando observado num instante de abstração mental ou numa narrativa visual exibida no ecrã, compreendemos a existência de magia nesta ciência física; uma Mecânica referenciada como Cinemática que retira as causas da motilidade e concentra-se somente no seu estudo geométrico e a sua descrição. Uma palavra, notavelmente, relacionada com a sétima arte.
Este é o ponto fulcral desta curta-metragem realizada por Lukas Berger e co-realizada por Mário Gajo de Carvalho, intitulada Circus Movements, que procura examinar esta mobilidade, ação e quietude, relativamente à natureza e à arte acrobática de crianças circenses que executam as suas performances nas paisagens magníficas do seu país. Artistas como Liya e Beza que criam um espetáculo hipnotizante com vários hula hoops, e Habtamnesh que executa uma acrobacia aérea num aro com a espontaneidade de uma jovem a divertir-se num baloiço conectado a uma árvore, a demonstrarem o seu talento em planos abertos num cenário atmosférico imponente, através de uma edição bonançosa e serena, com uma banda sonora simultaneamente energética e meditativa.
Fascinado por esta forma única de entretenimento, Berger utiliza a sua excelente direção de fotografia de olhar curioso e perspicaz perante esta habilidade para viajar através de uma cultura de circo que consome os seus espaços vistosos e a terra como um palco para as suas exibições proficientes que sublinham o estilo de vida nómada destes indivíduos. A dupla na realização abre a lente para um mundo habitado por sumptuosidade, atravessando esta população, sem diálogos ou visíveis membros da audiência dos espetáculos, escolhendo focar-se no showmanship destes artistas. Durante uma das performances é avistado no background, um homem a tomar banho e a lavar a sua roupa enquanto duas raparigas praticam acrobacias coloridas e atribuladas com similar naturalidade ao sujeito mergulhado; um momento que demonstra que a arte deste grupo reside nos seus corpos com uma mestria engenhosa que aparenta ser completamente orgânica e tão quotidiana quanto uma simples atividade banal.
O esplendor fenomenal de Circus Movements está na consciência e no reconhecimento destes movimentos atingirem uma complexidade física exigente de um treino exaustivo que as crianças incorporam com a naturalidade das cascatas da Etiópia ou as árvores abraçadas pela corrente de ar. São ações intrínsecas do ambiente que pertencem a estes artistas como uma essência semelhante a um pássaro a voar, uma pessoa a rezar ou, simplesmente, o ato de descer umas escadas, recordando que um movimento pode atingir medidas complexas ou enlaçar-se em simplicidade e permanecer cinemático por natureza.
Circus Movements foi exibido recentemente no Coliseu do Porto no âmbito do Family Film Project Archive Memory Ethnography International Film Festival e vai ser exibido em Lisboa no âmbito do InShadow Festival.