Chupa (2023)

de Bruno Sant'Anna

Há anos que os filmes originais da Netflix estão cada vez mais precários. Um dos motivos para esta mudança é a estratégia da empresa de querer abastecer o seu catálogo com as obras mais diversas possíveis, optando pela quantidade de conteúdo e não pela qualidade do mesmo. Além disso, o processo de criação das suas produções parece focar mais em reunir palavras-chave nas redes sociais do que realmente fazer algo com um diferencial artístico. Um recente representante dessa linha de produção é Chupa, filme norte-americano realizado por Jonás Cuarón (sim, o filho do também cineasta Alfonso Cuarón) que estreou na plataforma no dia 7 de Abril. A longa-metragem tenta explorar a lenda latino-americana do Chupa-Cabra numa mistura indigesta de coming of age da década de 1980 com os monstros fofinhos do Pokémon. O pior, como podem imaginar, é que os envolvidos parecem estar tão alheios ao mundo que nem imaginaram que o título deste projeto seria tão risível quanto o seu resultado final.

Situado em 1996, a história segue Alex (Evan Whitten), um jovem a passar por um período difícil na adolescência: o seu pai faleceu há um ano atrás com cancro e, agora, o jovem não consegue estabelecer conexões sociais com as pessoas. Além disso, Alex sofre de preconceito na escola por causa das suas raízes mexicanas, criando um conflito pessoal entre ele e sua hereditariedade. A mãe de Alex tenta ajudar o seu filho ao convencer o jovem a visitar Chava (Demián Bichir), o seu avô paterno e ex-lutador de Lucha Libre que vive no México. Ao mesmo tempo, o cientista Richard Quinn (Christian Slater) procura pelo Chupa-Cabra, uma criatura folclórica cujo sangue possui um poder curativo que poderá ajudar a humanidade… e render muito dinheiro. Os caminhos de Alex e do Chupa-Cabra cruzam-se nesta viagem e ambos aprendem acerca do valor da família.

Eu não concordo com a ideia que os filmes dedicados ao público infantil ou infantojuvenil não precisam de ser bons. Usar esse argumento é subestimar a inteligência e a sensibilidade de crianças e adolescentes e ignorar obras maravilhosas que conseguem emocionar tanto filhos como os pais. Chupa é uma tentativa fracassada de misturar E.T. the Extra-Terrestrial (1982), do mestre Steven Spielberg, com debates importantes sobre a xenofobia que descendentes de países latino-americanos sofrem nos Estados Unidos. Analisando a figura do Chupa-Cabra, por exemplo. Quem conhece a lenda sabe que essa criatura não é fofa ou mal interpretada, e sim uma espécie de vampiro animalesco que se alimenta de animais criados para o abate em fazendas de Porto Rico. Nesta longa-metragem, ocorre um esvaziamento deste folclore quando representam esse monstro como um animal felpudo, com asas e que pode curar qualquer enfermidade com o seu sangue, característica que é apresentada e depois esquecida completamente pelos argumentistas no decorrer da história. É uma suspensão de realidade demasiado grande para um enredo sem carisma e com lições de moral clichês, que não consegue fazer o espectador embarcar na fantasia construída.

Além da criatura, o argumento é uma confusão em relação às personagens humanas. Tanto o protagonista quanto os seus primos são extremamente unidimensionais, resultando em atuações pouco inspiradas por parte dos atores secundários. Os conflitos entre protagonistas e o vilão cientista também deixam o público perplexo em vários momentos. A personagem de Christian Slater simplesmente aparece na quinta, dispara um dardo tranquilizante no Chupa-Cabra, sequestra a criatura à frente das crianças e elas ficam paradas a assistir e a chorar enquanto ele foge. Na próxima cena, elas começam a seguir o antagonista, mas continuam apenas a chorar sem fazer nada. É desastroso, mas consegue piorar na resolução deste filme em que tudo é resolvido de forma ridícula. A personagem do avô exemplifica este constante problema de inconsistência, onde numa cena consegue assustar um puma, enquanto nos momentos de conflito e sequestro fica apenas parado a assistir. Não dá para perceber.

No final, Chupa é um filme completamente esquecível e sem personalidade, com problemas básicos de argumento em que as próprias regras estabelecidas pelo enredo não são seguidas pelas personagens no intuito que conflitos e resoluções acontecem pelo mero motivo que simplesmente precisam de acontecer. Quando paramos para pensar que esta produção tem um orçamento de 27 milhões de dólares (mais que Everything Everywhere All at Once (2022)) e nem o monstrinho principal conseguiram criar sem parecer falso, inevitavelmente questionamos a escolha de projetos investidos pela Netflix. E pelo amor de Deus… quem aprovou esse título?

1.5/5
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