Um filme de acção com cenário natalício, um vilão insensível e um herói improvável? Não, não estou a introduzir a velha questão sobre a legitimidade em considerar Die Hard (1988) como um filme de Natal. Estou só a descrever Carry-On numa só frase.
Ethan Kopek (Taron Egerton) e Nora (Sofia Carson) são um jovem casal que trabalha no aeroporto. Preparados para uma véspera de Natal passada no local de trabalho, estão longe de imaginar o presente envenenado que um misterioso homem tem guardado para lhes oferecer. Todas as suas dúvidas existenciais são colocadas em perspectiva, quando Ethan tem em mãos o destino de centenas de pessoas.
A estrutura do filme é simples de compreender e acompanhar. Somos apresentados aos protagonistas, criámos empatia para com a sua relação, seguido de empatia particular com o esforço de Ethan em tentar mudar a sua situação de estagnação no emprego, depois conhecemos o conflito que alimenta o enredo, e somos colocados do lado do nosso herói até existir um desfecho para a história. O que não é necessariamente mau – já sabemos que por vezes menos é mais – e simplificar pode significar melhorar o resultado final. Porém há um problema quando uma estrutura é já bastante conhecida.
Rapidamente o nosso cérebro convida-nos a comparar o que estamos a ver com o que já vimos no passado que se assemelha ao que estamos a ver. Por norma o nosso cérebro é selectivo e costuma recordar os filmes que mais nos marcaram, maioritariamente pela positiva. Neste caso é inevitável pensar em Die Hard, o que não favorece Carry-On. Menos humor, menos carisma da personagem principal, cenas de acção mais vulgares e alguns problemas de lógica e coerência na reacção de algumas personagens aos acontecimentos, são porventura os pontos mais óbvios de diferença entre os dois filmes. E só existe a comparação por ser evidente que Die Hard serviu de inspiração, inclusive pelo contexto de Natal, e se quisermos, pelo contexto de aeroporto que é equivalente ao que encontramos em Die Hard 2(1990).
No entanto, se retirarmos da equação o clássico estrelado por Bruce Willis, estamos perante um filme que cumpre com o objectivo de nos entreter durante duas horas. Para isso, muito contribui Jason Bateman, que eleva o nível com uma interpretação sem floreados, sem rodeios, eficaz, revelando mais uma vez a abrangência das suas competências como actor, depois de Ozark(2017-2022) e The Outsider (2020) terem já provado este lado mais sinistro do também realizador americano.
Taron Egerton é competente no seu papel de pessoa errada na hora errada, contudo nem sempre aparentou estar confortável. Para tal não terá ajudado a edição e mesmo o guião em determinados momentos, que obrigaram a um exagero de close-ups de reacções faciais em curtos períodos de tempo. Por falar em exagero, tão cedo Egerton não quererá correr num set, dado que foram incontáveis as ocasiões em que foi submetido a “cenas a la Tom Cruise”, sprintando como se não houvesse amanhã. O resultado é que foi mais condizente com um sketch do SNL do que com o Mission Impossible. Correr em cinema é uma arte que, pelos vistos, não é para todos. Felizmente, o actor britânico é excelente noutras facetas da profissão, só não viu as suas capacidades aproveitadas da melhor maneira neste projecto. O restante elenco está longe de sobressair, todavia, há que salientar a presença sempre apreciada de Dean Norris, em especial para os amantes de Breaking Bad(2008-2013).
A Netflix é perita em produzir filmes que entram no nosso catálogo de opções e saem das nossas memórias com mais facilidade com que entram e saem do top 10 dos mais vistos da plataforma. Carry-On consegue, apesar de tudo, envolver a audiência com a tensão acumulada e a dinâmica de acção regular, incorporando-se com dignidade no conceito antigo de “filme de domingo à tarde”. Só está mais para The Taking of Pelham 123 (2009)- é mais difícil de lembrar, não é? – do que para qualquer um dos Die Hard.