O filme russo em competição no Festival Internacional de Cinema de Veneza tem uma abordagem introspetiva à União Soviética de Estaline e aos crimes cometidos pelo estado na procura e execução de suspeitos inimigos da nação através da jornada de Fyodor Volkonogov, um interrogador e torturador das forças soviéticas, à procura do perdão das famílias dos inocentes que ajudou a executar depois de também ele ser erradamente acusado de traição.
O guião de Alexey Chupov, Mart Taniel e Natalya Merkulova mostra-se muito mais que uma crítica ao período histórico onde a trama decorre. Captain Volkonogov Escaped apresenta-se como uma história sobre o poder da penitência, espiritualismo, perdão e, acima de tudo, resignação ao destino.
Ao longo das visitas prestadas por Volkonogov às famílias das suas vítimas, somos confrontados com os horrores cometidos pelo capitão às mesmas, num paralelismo em que a brutalidade da ação e o desespero do arrependimento se olham nos olhos e tentam decidir para que lado a balança moral irá tombar. O resultado desta medição é incerto, porque vemos um homem que sabe previamente da inocência das pessoas que acusa, no entanto não coloca imediatamente em causa a doutrina do Estado que serve, até que finalmente esta se vira contra ele, o que acaba por adensar a ambiguidade moral da sua jornada e questiona a honestidade da mesma.
O filme como que se transforma na sua personagem principal: coloca as questões, mas as respostas acabam por ser irrelevantes para o resultado final. A dúvida mantém-se sempre. É possível o perdão por crimes que, já aos olhos da altura, são imperdoáveis? Pode a penitência através do espiritualismo oferecer um perdão que a sociedade não consegue conceber? E a quem compete a validação da honestidade deste julgamento, às vítimas ou a uma entidade superior capaz de medir a verdade no coração do homem?
A avaliação destas perguntas, e do caráter de Volkonogov, é complexa, no entanto Chupov e Merkulova levam-nos a olhar para ele com um certo sentimento de compaixão com a verdade existente nos olhos da performance absolutamente notável de Yuriy Borisov, há um desespero quase infantil no seu semblante e é através dele que a magia de Captain Volkonogov Escaped consegue tocar quem está do lado de cá do ecrã e, quem sabe, perdoar quem está do lado de lá dele.
É uma história sobre a procura da paz interior executada com um brilhantismo excecional, com ambiguidades morais e espirituais, imagens e frases que podemos levar connosco para fora da sala e dilemas que, se assim os deixarmos, nos podem fazer olhar para o mundo lá fora e para quem o habita de uma forma um pouco mais empática, o que em tempos como este, é algo verdadeiramente louvável.