Bullet Train (2022)

de Rúben Faria

Entreter e descomplicar

Ladybug (Brad Pitt) é um assassino profissional bastante peculiar contratado para uma missão aparentemente simples mas que, como já é de prever, tem muito mais que se lhe diga, ao ver-se emaranhado com mais uns quantos colegas de profissão num comboio-bala no Japão, onde todas as suas respetivas missões estão conectadas de alguma forma.

David Leitch é o realizador deste espetáculo de ação e, na verdade, encaixa melhor neste registo do que na seriedade de Atomic Blonde (2017). Leitch já tinha provado o seu trabalho em misturar ação e humor ridículo em Deadpool 2 (2018), mas é bom vê-lo a experimentar novamente com ideias originais e cenários estapafúrdios. Bullet Train mantém o visual de cores fortes que Leitch traz consigo desde o primeiro John Wick (2014), e injeta um pouco de cenários e guarda-roupas extravagantes, numa fórmula que cai bem com o sentido de humor que o guião apresenta.

Obviamente que o ponto de venda é a ação, e é algo que não desaponta. Apesar de não ser inovador para o cinema como John Wick foi, a paixão por boa coreografia é visível e materializa-se em pancadaria e mortes criativas e divertidas. Na verdade, todo o filme funciona porque decide ser despreocupado com as expectativas e não se leva a sério de todo.

Leitch volta a debruçar-se num argumento que tematicamente está concentrado em abordar a sorte, o azar e o destino, sem tomar uma posição em relação à vida ser aleatória ou um caminho já traçado (como chegou a fazer em Deadpool 2). No entanto, não nos chateia muito com isso porque não está preocupado em ser mais do que aquilo que é, e sabe disso, tornando a autoconsciência a sua maior força. Consegue até suportar inúmeros enredos secundários e mantê-los coesos de forma a que contribuam para a história principal sem se sufocarem uns aos outros e, consequentemente, o espectador, criando de forma absolutamente inesperada um mistério interessante e que nos cativa até ao fim. Não é um filme que traz propriamente algo de novo ao cinema comercial, em qualquer campo que o constitui, mas o que faz, apesar de ser terreno já batido, não é saturante e é seguro na sua própria identidade, tendo enorme confiança nas suas personagens.

Um risco natural de criar algo original e com este nível de extravagância, é que tudo pode estar no ponto certo ou cair no exagero fatal. Neste caso, as personagens são coloridas e municiadas de um diálogo divertido e variado – se bem que mediano na sua qualidade – o que é mais que suficiente para nos transmitir uma vibe de descontração e nos fazer encostar na cadeira e seguir viagem com esta narrativa, quaisquer que sejam os seus erros. Tem de se dar valor à coragem de, não só levar para a frente uma ideia original e de grande orçamento, como essa ideia basear-se em apenas um local, neste caso o comboio que apelida o próprio filme. Com isso, prova ser uma decisão inteligente e que obriga o guião a extrair o máximo de todas as personalidades, tanto as mais sérias como as mais ridículas, de modo a manter o filme cativante.

O humor é um dos pontos firmes do filme, e todo o ambiente colorido e leve é um catalisador para isso. Somos servidos com pratos de trocadilhos e brincadeiras culturais, juntamente com um copo de comédia física e slapstick, tudo complementado por uma sobremesa que tanto roça o sabor do nonsense como o sabor do “quase” meta. Se algumas piadas não aterram bem? Não, não aterram. Mas, mais uma vez, o filme não tenta ser mais engraçado do que aquilo que sabe que é. Às vezes o filme entra no campo do cliché melodramático? Quase, mas acaba por, novamente, não se levar demasiado a sério e regressar ao seu ser mais descontraído.

O que está, sem sombra de dúvidas, no ponto certo de cozedura, é o elenco de luxo que decidiu participar nesta viagem de comboio. Todos são um mimo de se ver atuar, claramente a transmitirem uma sensação de diversão nos papéis que é contagiante e nos faz tão entusiasmados como eles. Uma menção especial tem de ser dada a Brad Pitt, Aaron Taylor-Johnson e Brian Tyree Henry, que entregam performances muito engraçadas e diferentes. Pitt, personifica o seu Ladybug com uma persona muito zen, anti-violência e a tentar estar em paz consigo mesmo e com o mundo, o que obviamente entra em conflito com a sua profissão. Às vezes até parece um velhote a querer entrar na onda da Geração Z, o que leva a momentos extremamente cómicos e a que Pitt demonstre o seu lado mais carismático e pateta. Taylor-Johnson e Tyree Henry interpretam Tangerine e Lemon, respetivamente, um par de irmãos “gémeos” que trabalham juntos como assassinos, o que permite a estes atores demonstrar uma química incrível, que nos faz pedir por mais em cada cena dos dois juntos. As suas respetivas personalidades são completamente opostas, mas o argumento trabalha bem com isso e permite a que haja momentos cómicos e até dramáticos.

Num comboio que ameaça descarrilar apenas no final da viagem, por causa de um clímax que acaba por exagerar – e muito – na extravagância e espetáculo da situação e da ação, Bullet Train é um excelente filme de entretenimento puro, que merece ser visto em sala e não pede mais do que isso. É sempre bom quando ideias originais como esta são levadas a cabo e saem um bom produto final. E já agora: sim, nomes como Ladybug, Tangerine e Lemon tem o seu quê de estranheza, mas é só aceitarem isso (juntamente com metáforas vindas de Thomas, a Locomotiva) e o filme recompensa-vos. Por isso agarrem nos vossos bilhetes, sentem-se na primeira ou segunda classe, e desfrutem da viagem.

3.5/5
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