A comédia romântica é simultaneamente uma espécie em vias de extinção, e um género cinemático que definiu a infância de uma geração que está agora a tentar ressuscitá-lo. É o caso da estrela de Bros, Billy Eichner, que é também produtor executivo e co-argumentista, juntamente com Nicholas Stoller (que assina, ainda, a realização).
Eichner é Bobby Leiber, um podcaster e curador de um museu LGBT+ de sucesso, e um homem gay convicto das suas ideias, orgulhosamente solteiro. Uma noite, conhece Aaron (Luke Macfarlane), que adere a todos os estereótipos do “macho man”, desde ir regularmente ao ginásio, a ter Garth Brooks como artista musical preferido. Os dois desenvolvem uma relação que os obriga a repensar todos os seus valores pessoais.
Por causa da sua importância enquanto marco cultural muito específico de Hollywood, existe um fascínio com trazer, às comédias românticas, histórias LGBT+, para que também elas pudessem ocupar esse espaço. Em 2020, Happiest Season foi a primeira comédia romântica de natal com um casal de duas mulheres. Em 2018, Love, Simon revolucionou as comédias românticas juvenis e o cinema gay, ao centrar uma história de amor entre dois rapazes que, finalmente, não acabava em tragédia. Em 2022, Anything’s Possible, de Billy Porter, fez o mesmo para a comunidade transgénero.
Bros não é, então, de todo o primeiro filme a tentar concretizar esta receita, mas muito do seu marketing tem sido direcionado para o facto de ser a primeira comédia romântica homossexual produzida por um dos grandes estúdios americanos, com um orçamento a combinar, de $22 milhões. Consequentemente, a sua tímida performance nas bilheteiras americanas tem dado que falar. Eichner culpou o desinteresse da audiência heterossexual, mas se o filme tivesse conseguido trazer toda a comunidade queer do país até às salas de cinema teria, certamente, coberto ou superado os $22 milhões.
A conversa sobre esta obra tem sido reduzida, por isso, a este falhanço que, por sua vez, deverá impedir outras comédias queer de receber o mesmo apoio financeiro tão cedo. A conclusão sensata, todavia, seria que as comédias românticas se tornaram num género pouco viável nas bilheteiras, independentemente do género ou orientação sexual dos seus protagonistas.
A verdade é que Bros é uma excelente comédia romântica com uma surpreendente profundidade temática e intertextual. Os homens gay são, obviamente, o principal foco do filme, especificamente no que diz respeito às ideias de masculinidade tóxica que permeiam as relações românticas e sexuais dentro da comunidade, como o próprio título do filme indica. Ainda que esta intenção de rechear uma comédia romântica, tipicamente leve, de comentário social e reflexão deva ser elogiada, a abordagem acaba por se mostrar superficial, apenas apontando a existência do problema, sem nunca se questionar verdadeiramente sobre as suas causas.
Esta superficialidade acabar por afetar também o aspeto romântico do filme que, apesar de começar forte muito graças à química eletrizante entre Eichner e Macfarlane, se verga por completo em serviço desta acanhada reflexão sobre os papéis de género dentro da comunidade homossexual. Em vez de tentar explorar as facetas mais sensíveis das personalidades de cada protagonista, Bros resume-os demasiado a uma dicotomia simplista de homem gay afeminado versus homem gay “machão”. Há um grande potencial que fica, assim, por explorar no que diz respeito a estes temas que são, de facto, altamente relevantes.
A comédia, por sua vez, é deliciosa – em igual medida universal e niche. À boa moda queer, muitas das piadas giram em torno de referências à cultura pop, desde a música ao cinema e à televisão. Também, e como seria de esperar, os próprios estereótipos de cada faceta da comunidade LGBT+, assim como das pessoas heterossexuais, são constantemente referenciados e desconstruídos de forma irónica e cómica.
Há, também, um esforço no filme de honrar toda a história queer que lhe precede, aliado à storyline secundária da profissão de Bobby enquanto diretor de um museu LGBT+. Nota-se que Eichner sentia a pressão do seu orçamento inédito, e da sua condição enquanto homem branco e cisgénero, que, dentro da comunidade, sempre foi priorizado em relação aos seus pares, para prestar atenção a este ponto narrativo.
Esta consciência ideológica, apesar de às vezes sufocante e provavelmente aborrecida para espectadores que não são forçados a experienciá-la no seu dia-a-dia, é um aspeto inevitável de qualquer história queer e o seu lugar primordial em Bros é devido. É, aliás, um dos aspetos mais bem conseguidos do filme, dentro dos possíveis.
Aliado a este pano de fundo do lugar do sujeito queer na história da espécie humana, há também um metacomentário recorrente sobre o lugar do sujeito queer na história do cinema especificamente. Desde protagonistas trágicos do cinema intelectual para a satisfação das instituições heterossexuais, a “cash cows” dos filmes comerciais e mainstream, passando por verdadeiros marcos da cultura popular, Bros navega tudo isto para tentar entender exatamente qual o seu lugar no panorama do cinema LGBT+.
É evidente a tentativa de trazer riqueza conceitual ao filme, provavelmente proveniente do génio de Billy Eichner, assim como da sua paixão por este projeto. Ainda assim, ao querer fazer demasiada coisa ao mesmo tempo, mesmo com duas horas de duração, nunca consegue debruçar-se verdadeiramente sobre os seus temas.
Nos seus melhores momentos (e há vários), Bros é uma hilariante comédia romântica, que consegue combinar coração com ideologia. Na sua totalidade, porém, acaba por parecer algo fútil e comedido. O filme tem muito mérito mas ainda não é a comédia romântica LGBT+ perfeita. Essa irá existir um dia, de certeza, e seja quem for por ela responsável terá que agradecer a Billy Eichner e companhia por ter arriscado primeiro, para que outros pudessem aprender com os seus erros.
1 comentário
Certo, adorei a sua crítica, mas… me levou a uma outra questão interessante… o que seria uma comédia romântica LGBTQIAPN+ na sua opinião? Honestamente acho isso muito pessoal. Exemplo: Milhões de pessoas no mundo odiaram Lanterna Verde ou Esquadrão Suicida (o primeiro)… eu na verdade amei! São filmes perfeitos? Longe disso, mas divertem! Eu já vi muitas comédias românticas tradicionais serem tão carregadas de clichês que no final das contas acabam sendo chatas e repetitivas. Bem como a maioria dos filmes LGBTQIAPN+ (em especial no Brasil) onde o casal ou é aquele clichê básico de BEE PORPURINADA que tem que ser excessivamente espalhafatosa generalizando todo o espectro de personalidades que existem, ou um dos dois tem AIDS ou outra doença terminal e no final um deles morre e o outro fica com um sorriso hipócrita no rosto dizendo que a vida segue, ou então tem que trazer sempre questões como stonewall, ou drogados, enfim… o que quero dizer é, não me enquadro na maioria dos personagens e das histórias que são retratadas nos filmes, mas outras pessoas podem se enxergar ali e se sentir representadx… chegar e classificar uma comédia ou um drama ou uma fantasia como perfeita, volto a dizer… é muito pessoal. De qualquer forma adorei sua crítica, uma das mais bem escritas e fundamentadas que já li nos últimos tempos.