Existem artistas empáticos. Depois existe Hirokazu Koreeda, um realizador japonês com um olhar profundamente humanitário no cinema e uma filmografia preenchida por narrativas arquitetadas como um abraço acolhedor numa audiência que desconhecia a sua carência desse carinhoso enlaçamento corporal. Comprovou este seu toque afetuoso na sétima arte em diversas obras extraordinárias como After Life (1998), Still Walking (2008) e o seu magnum opus, Shoplifters (2018). No entanto, a sua ternura não implica ingenuidade; a longevidade das suas palavras magníficas no grande ecrã constatam o impacto da passagem do tempo na sua visão de um mundo condenado por ele próprio. A sua pesquisa acerca do sistema de adoção no Japão, em longas-metragens anteriores, elaborou um trajeto até à sua nova criação, Broker, cuja história se formou através da descoberta das “baby box” – um espaço onde indivíduos podem abandonar anonimamente as suas crianças recém nascidas – comuns mundialmente, com uma popularidade surpreendente na Coreia do Sul, um país onde o aborto foi completamente descriminalizado em 2021.
Filmado inteiramente na língua coreana com um elenco principalmente Sul-Coreano, uma baby box desperta este enredo com um bebé renunciado à porta de uma igreja. Uma dupla de criminosos, Sang-hyeon (Song Kang-ho) e Dong-soo (Gang Dong-won) resgatam a criança para vender no mercado negro da adoção; um esquema quebrado pelo regresso da sua prematura mãe, So-young (Lee Ji-eun). Aliciada pela promessa financeira e consciente das suas circunstâncias atuais, a jovem acompanha os dois homens numa viagem pelo país, à procura dos pais adequados para o bebé enquanto duas detetives, a apática Soo-jin (Bae Doona) e a sua colega Lee (Lee Joo-yung), perseguem esta estranha equipa numa investigação de tráfico humano associado à igreja.
Na visão de outro artista, este enredo seria viável para cinismo num drama exageradamente sentimental ou num tenebroso percurso pelo género de terror. Koreeda desafia noções vulgares cinemáticas, expressando um interesse particular em ouvir e compreender. As suas famílias desconexas revelam sujeitos socialmente exilados, distantes das normas que ditam as estruturas pré-estabelecidas fomentadas por um mundo fechado. Elementos que o realizador expressa nas suas imagens – assistidas pela harmoniosa direção de fotografia de Hong Kyung-pyo – como o volumoso contraste entre a carrinha debilitada desta equipa criminosa e o veículo das detetives, e em complexas camadas emocionais no seu argumento.
São essas feições que transformam personagens em seres humanos, interpretados por um elenco extraordinário que simplesmente veste o corpo destes indivíduos com uma naturalidade impressionante e uma majestosa suavidade que incendeia os limites de acting orgânico, exibindo performances absolutamente comoventes que cessam de ser performances. Song Kang-ho, justo vencedor do prémio de Cannes para Melhor Ator, sempre reinou neste estilo de representação e Broker, sendo um ensemble, reúne talento de expertise semelhante em Gang Dong-won, Lee Ji-eun e Bae Donna, para elevar o ato de atuar. Seja numa conversa devastadora dentro de um carrossel ou num simples telefonema.
Koreeda insere uma trágica vulnerabilidade nas suas longas-metragens que empurra as personagens a expressarem-se de formas desconfortáveis na sua aflição psicológica. O seu argumento entra em discussões sobre ética e escolha, que para uma audiência menos atenta pode surgir como politicamente controversa. As suas intenções distanciam-se destas artimanhas baratas; o seu objetivo situa-se em visualizar as opiniões de seres humanos colocados neste contexto das suas vidas, particularmente na sua protagonista feminina cuja identidade será como a de criminosa independentemente dos caminhos optados. A génese desta obra está construída neste conceito de jornadas, decisões e no existencialismo do poder de escolha que nenhuma das personagens parece possuir.
Broker é um ato de magia, maravilhoso na compaixão que sente pela sua família e na sua viagem por aceitação, conduzindo o público a suplicar pela inocência de uma criança encantada pelo mundo de fantasia de uma lavagem de carros; transtornado pela necessária quebra deste feitiço milagroso no seu terceiro ato. Uma narrativa que partilha conceitos espirituais com as últimas obras do realizador, prolongando a tradição de temáticas sobre o verdadeiro significado de família, os seus laços endividados e as ligações emocionais involuntárias que ocorrem no caminho. Como um mestre da sua arte, Koreeda regressa a uma casa idêntica, fascinado em desvendar perspetivas singulares e descobrir novos quartos. Este é um lar de renascimento, dedicado à procura de perdão. A odisseia desta família transporta-os para a desconstrução das suas identidades; seres quebrados pelo seu próprio nascimento, sentindo uma eterna fissura na sua existência que apenas verte o seu significado, a sua capacidade de confiança e o esforço em compreender a sua rejeição da vida e deste mundo. Pessoas que aprendem a aceitar desfechos inexistentes.
Aceitar desfechos inexistentes é uma componente inerente do cineasta. Os seus finais abstêm-se de oferecer os finais felizes ou sequer as respostas que o público anseia por obter; são conclusões que recordam uma cruel e injusta realidade. As perguntas aumentam e explodem numa sensação de insatisfação. Essa é a sua finalidade. Despedidas nunca encerram capítulos e nunca oferecem o desfecho emocional pretendido. No entanto, a magia melodiosa de Broker apresenta-se no seu método artístico de preservar uma única nota de piano, descobrir novos significados no seu tom musical e permitir que o som perdure perpetuamente, incluindo no silêncio.