Bringing Up Baby (1938)

de Rafael Félix

Um dos primeiros (e mais relevantes) exemplos das screwball comedies que viriam a sair de Hollywood durante os anos ’30, numa indústria ainda a adaptar-se à transição para os talkies, Bringing Up Baby foi mais um dos filmes que quase faliu a já desaparecida e lendária RKO, mas que viria a cimentar o seu lugar na história através das inúmeras peças que inspirou ao longo das últimas 9 décadas.

O Dr. David Huxley (Cary Grant) é um paleontólogo que recolhe donativos para o seu museu, com especial atenção para aquele de Mrs. Random (May Robson), que pretende doar 1 milhão de dólares a quem a conseguir convencer da sua causa. Para isto tem de impressionar Mr. Peabody (George Irving), o advogado e gestor da possível doadora, mas as suas tentativas são constantemente frustradas por Susan Vance (Katharine Hepburn), uma mulher com que continua a ter encontros desastrosos que envolvem leopardos domesticados, agentes policiais e furtos exóticos.

Quando o filme fracassou nas bilheteiras de 1938, Howard Hawks explicou numa entrevista que isto se deveu ao facto do público não ter qualquer personagem com que se identificar. Não estava longe da verdade e, apesar do tempo vir dizer que Bringing Up Baby seria o seu melhor filme, esta explicação ainda hoje parece astuta. O filme é todo ele um banquete de diálogos fulminantes em que cada um dos intérpretes tenta ser mais que o adversário a deitar a sua fala para fora, tornando-se uma incessante torrente de conversas sobrepostas e mal-entendidos que, quando possíveis de acompanhar, mantém o charme e o riso que tinham aquando da estreia, mesmo com personagens de tal forma elevadas ao absurdo que é difícil perceber a quem nos devemos ligar emocionalmente. É caótico, romântico e melodramático ver as faíscas entre Grant e Hepburn sempre que estão no seu modo mais afetuosamente conflituoso, seja a conduzir o leopardo titular no banco de trás (através de sobreposições de planos pioneiras para altura) ou a tentar convencer a tia de Susan que este David Huxley, uma pessoa que parece nunca ter saído de um laboratório, na verdade andou a caçar tigres algures nas planícies africanas.

Ainda assim, talvez seja “só” isso. O carisma de quem está na tela é inegável, a química entre eles é gritante e a comédia que varia entre o slapstick de situações plenamente mirabolantes e gags visuais constantes é sempre cheia de entretenimento, porém falha em impressionar além disso. Ficamos perante a habitual história de amor do “Velho Hollywood” que sabemos inevitavelmente como acabará e quando lhe juntamos a personagem de Susan, que é uma das mais antigas manic pixie girls, colocada no filme para libertar o nosso herói dos seus formalismos e trazer-lhe vida à vida, tudo se torna parcialmente familiar, apesar de reconfortante.

Com isto não se quer dizer que Bringing Up Baby é uma vítima do seu próprio legado e dos clichés que ajudou a construir. É um filme capaz de entreter qualquer espectador e oferecer um tempo maravilhoso à frente do ecrã e foi exatamente com esse intuito que foi concebido. Para os fãs da comédia, principalmente as que popularam o cinema entre as décadas de ’30 e ’50 é totalmente obrigatório. Para os outros? Também, nem que seja para ver onde Leslie Nelson foi buscar inspiração para Airplane! (1980) ou onde os Coen foram tirar ideias para Raising Arizona (1987), ou até para ver dois dos atores mais charmosos da história do cinema fazerem pouco um do outro durante pouco mais de hora e meia. Há maneiras piores de passar o tempo.

3.5/5
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