Borderlands (2024)

de Pedro Ginja

“Time to make it rain! With your body parts!”

Pode não parecer mas este Borderlands é também um “filho” da pandemia, quando em Fevereiro de 2020 Eli Roth entrou no projecto como realizador. No mais improvável casting dos últimos tempos a primeira actriz contratada foi Cate Blanchett, vencedora de dois Óscares da Academia, que descreve a preparação para o papel como uma das melhores da sua carreira e a principal razão para ter mantido a sanidade mental durante esse período. Em plena pandemia, confinados em casa, nada como passar um dia inteiro com uma motosserra na mão, no jardim, ou a fazer malabarismo com armas enquanto se emergia na mitologia da saga Borderlands, experimentando os videojogos. Após Blanchett confirmar a sua presença não foi difícil reunir um elenco carregado de estrelas como Jack Black, Kevin Hart ou Jamie Lee Curtis.

Chega finalmente, em 2024, às salas de cinema num mercado ao rubro após um conjunto de obras de grande sucesso comercial, quase todos assentes no poder da nostalgia como fundação dos projectos. Neste caso específico esta assenta na série de videojogos Borderlands, um FPS de acção e roleplay, cuja origem remonta a 2009. Nesta adaptação ao cinema a história centra-se em Tiny Tina (Ariana Greenblatt), uma rapariga que todos procuram por ser a chave que abre um cofre com tesouros de poder inimaginável. Uma equipa de mercenários improváveis, liderada por Lilith (Cate Blanchett), procura ser a primeira a descobrir o tesouro mas Atlas (Edgar Ramírez), um psicótico milionário, e o seu exército de rufias têm uma palavra a dizer.

Admito estar surpreendido com a resposta massivamente negativa em relação a este filme e pergunto-me se vi uma versão diferente ou se, de repente, um bom tempo no cinema já não chega para nos satisfazer. Os problemas são inevitáveis dado a quantidade de argumentistas ligados ao projecto desde a sua concepção ou, inclusive, pelos reshoots não planeados de Tim Miller (não creditado) pois Eli Roth estava “ocupado” com outros projectos. Parece padecer de muita das fraquezas de Uncharted (2022), com o qual partilha inevitáveis parecenças, (partilham o produtor Avid Arad e o passado originário nos videojogos), como a estrutura desconexa e episódica do argumento (parece uma sucessão de níveis de dificuldade crescente de um qualquer videojogo) e personagens unidimensionais sem um esforço consciente de as adaptar ao formato cinematográfico. O que os distingue, no entanto, é a convicção com que o seu elenco, com o pouco que lhes é dado, as defende com unhas e dentes. O destaque é óbvio e chama-se Cate Blanchett num papel que tinha tudo para correr mal (idade, experiência no género) mas na qual reinventa as possibilidades de uma estrela, no feminino, para impressionar em cenas de acção fruto do seu empenho e do profissionalismo incontestável na execução de inúmeros stunts e habilidades inesperadas (aquele girar das pistolas em ambas as mãos é fenomenal). Uma pena ser substituída, no confronto final, por uma cópia em CGI de qualidade duvidosa, que perde muito do seu carisma e presença. Ainda assim, uma verdadeira badass. Impossível não destacar o seu side-kick, o robot Claptrap (Jack Black), a arrancar inúmeras gargalhadas e momentos de boa disposição. Desaproveitada surge apenas Jamie Lee Curtis, como Tannis, sem qualquer relevância no desenrolar da narrativa para além de uma ténue ligação emocional com a protagonista. Aliás emoções e sentimentos não é algo que faça parte desta franchise mas que, no formato cinematográfico, necessitavam de alguma atenção. Mesmo não estando familiarizado com o universo dos videojogos da saga esta parecia-me mais indicada para ter levado um “tratamento” similar a Deadpool & Wolverine (2024) sem travões no nível de violência ou tento na linguagem. Mais estranho é este facto sabendo que Eli Roth, autor de Hostel (2005), está por detrás das câmaras e nunca, em qualquer momento, sentimos a sua influência.

Visualmente tem o suficiente para convencer o espectador, com o design de qualidade das personagens, todas elas únicas à sua maneira, e uma cenografia/guarda-roupa a “roubar”, e bem, da obra de Mad Max mas com pormenores suficientemente icónicos para ter uma identidade própria. Os efeitos visuais e o trabalho de som são aceitáveis para uma produção deste orçamento mas pecam pelo excesso no final, chegando ao ponto de eliminar a expressividade tanto de Lilith como de Atlas, o vilão de serviço, e a assoberbar o espectador incapaz de reagir a tantos estímulos. A banda sonora é problemática, com a escolha de algumas grandes canções rock mas que não ligam, de modo algum, com a sofrível música instrumental de Steve Jablonsky.

Pode não reinventar a roda, e desvanecer-se da memória logo após o seu término, mas é eficaz no que se propõe, um tempo bem passado no cinema. A presença de Cate Blanchett causa estranheza mas logo passa a admiração e respeito quando nos apercebemos que os seu talento como actriz também se estende ao domínio da acção. Razão mais que suficiente para espreitar este Borderlands. Só esperemos que, como aconteceu com Liam Neeson, não se perca em intermináveis repetições de uma fórmula gasta na primeira vez.

2.5/5
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