Borat Subsequent Moviefilm (2020)

de João Iria
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Quando Borat viajou para os Estados Unidos, à procura de melhorar o seu “país” do Cazaquistão, foi com o conhecimento de uma América idealizada através do sonho americano manifestado na cultura pop e audiovisual. Durante a sua estadia, o ator expôs as ideologias medonhas escondidas numa manta de patriotismo e revelou que com o mínimo de conforto estas espalham-se rapidamente sobre pretenso de moralidade falsa, manipulada para associar heroísmo com todas as “fobias” e “ismo’s” existentes.

Presentemente, a manta foi incendiada e o nacionalismo quebrou qualquer teoria de decoro que tentavam atribuir a essas convicções. Xenofobia agora é motivo de orgulho; mentiras tornaram-se nas novas verdades; ciência e medicina transformaram-se em teorias de conspiração e enquanto o planeta inteiro arde, os EUA proclamam que as suas chamas furiosas ardem melhor que qualquer outro país.

Entre as cinzas regressa Sacha Baron Cohen, 14 anos depois, numa sequela surpresa, filmada em segredo no início deste ano. Borat Subsequent Moviefilm: Delivery of Prodigious Bribe to American Regime for Make Benefit Once Glorious Nation of Kazakhstan, um título que altera conforme o progresso do enredo, segue o jornalista numa missão secreta aos Estados Unidos para oferecer a sua filha, Tutar (Maria Bakalova) como presente ao vice presidente e criar uma nova aliança entre os dois países.

Após o sucesso do primeiro filme, a personagem é recebida com ódio no Cazaquistão devido ao péssimo nome que atribuiu a este e quando retorna a solo americano encontra uma fama que impossibilita o seu trabalho de ser realizado. O enredo emprega engenhosamentee uns componentes meta, penosos de escapar, atribulados da realidade que sucedeu ao ator, nas filmagens desta longa-metragem como parte da história.

Borat disfarça-se com novas identidades, semelhante ao próprio comediante, numa revelação narrativa que levou-me a recear pela perda de um elemento essencial do jornalista, o seu visual distinto. Cohen previne o segundo capítulo de se tornar numa nova temporada de Who is America? (2018) ao adicionar um recurso dramático que incorpora a personagem e aperfeiçoa a nossa ligação emocional com esta, através do seu “filho não macho” Tutar.

Não existe outro comediante capaz de reproduzir o processo assustador de Cohen, todavia, Maria Bakalova impressiona na naturalidade da sua performance, conseguindo acompanhar o humor absurdo deste e rivalizando-o em algumas cenas genialmente desconfortáveis. Uma personagem vantajosa para capturar a misoginia contínua e abundante na sociedade que muitos escolhem ignorar e que permanece intrínseca. A atriz adiciona uma humanidade fundamental, voluntariando-se para seguir as ideias arrojadas com a coragem do seu coprotagonista e oferecendo a ternura na relação de ambos que sobressai como a alma desta narrativa.

A química adoravelmente hilariante entre os atores, resulta no grandioso choque desta sequela, que me levou a sentir emocionado pela evolução comovente destas personagens. O grande sucesso deste filme é atingir um epílogo que fecha a história em compaixão, mesmo depois de um dos terceiros atos mais absorventes e escandalosos que presenciei em qualquer longa-metragem deste ano.

Tutar Sagdiyev recorda-nos da normalidade sexista imposta pelos nossos países, desconhecidos e pela própria família. Desde um mal entendido numa clínica de saúde para mulheres que evidencia a ignorância de um pastor em relação a leis médicas a um cirurgião plástico que admite abertamente uma possibilidade apavoradora. Esta é uma obra que exemplifica a insipiência e desprezo acerca do conceito de direitos iguais. 

Borat Subsequent Moviefilm ambiciona ser uma comédia ainda mais perigosa que o capítulo anterior, resultando numa sátira política mordaz e obscena com um sentido de emergência imediato na sua criação, encarando esta com uma perspetiva dramática entre os momentos de piadas ferozes, contrariando a simplicidade das vignettes desenfreadamente irónicas do primeiro filme. Se esse conseguiu apelar a uma audiência geral, até dos que foram ridicularizados, a sequela certifica-se que esse segmento da população não irá continuar a rir. 

Essa urgência prende o argumento em 2020, numa história tópica e desafiante onde a atualidade do seu humor, apesar de hilariante, impede este de envelhecer com a mesma relevância, possivelmente prejudicando o seu impacto a longo prazo. Simultaneamente é uma cápsula da condição dos Estados Unidos neste ano, demonstrando a reação à epidemia do Covid-19 e os protestos predominantes pela população contra a própria ciência médica, obtendo uma memória do insensato otimismo perante a pandemia como um retrato do antes e depois e revelando a necessidade de manter a sua escrita cingida ao presente.

O Cheeto disforme mente diariamente; americanos usam armas em protestos contra leis criadas para evitar tiroteios escolares e teorias de conspiração alcançam uma lógica absurda, representada hilariantemente numa sequência com um cameo surpresa. Numa América onde Cohen não é o único a procurar indignação das pessoas à sua volta, pois tudo nos EUA é uma performance, como consegue o comediante continuar a surpreender a audiência quando todos os dias factos disparatados ocorrem pelo país inteiro, por cidadãos que parecem criados pelo próprio ator?

Kafka tornou-se rotineiro e consequentemente, a intensidade de choque nunca atingirá o elevado grau de Borat (2006). Na sua estreia em salas de cinema, nazis não saiam para celebrar o fascismo e as únicas máscaras usadas serviam para dissimular intenções inclementes. Assim a realização encontra um novo objetivo para espelhar a presente realidade. Enquanto a primeira longa-metragem diligenciou-se para expor o perigo de criar conforto em mentalidades retrógadas, a sequela averigua compreender como lutar pela verdade e empatia num espaço ocupado pela diligência da mentira e da indiferença humana.Borat Subsequent Moviefilm comprova que não podemos desistir na persistência da educação para um progresso autêntico, longe de informação sensacionalista ou políticos manipuladores e pejorativos sem qualquer empatia. Amei esta comédia, contudo, espero sinceramente nunca mais voltar a ver esta personagem pois isso iria implicar um futuro condenado. Os Estados Unidos encontram-se atualmente num momento decisivo e como a mensagem final desta sequela demonstra numa piada, está na hora de acordar porque o sonho americano morreu.

4.5/5
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