Bodies Bodies Bodies (2022)

de João Iria

Quando a luz dos iPhones se revela como uma visão em túnel, Bodies Bodies Bodies dispara o flash para matar. Abandonem os Androids à entrada porque esta comédia de terror, realizada por Halina Reijn, circula o seu alvo na geração Z, com a mira firme no privilégio de uma juventude abastada, financeiramente e verbalmente, cujo vocabulário diário é preenchido por todas as palavras-chave encontradas nos últimos TikToks populares. A segunda longa-metragem desta realizadora destaca-se como um hilariante pedaço mordaz de comédia negra que personifica a vida online numa mansão milionária, onde cada quarto abre espaço para uma nova sequência de Tweets. O que se inicia como uma simples festa entre amigos, rapidamente escala para desavenças dramáticas e segredos escondidos, prestes a serem revelados com o primeiro jovem estendido no chão, a sangrar profusamente. É uma narrativa edificada por personagens que afirmam possuir o conhecimento do mundo à sua volta, isentas das suas próprias verdades, presas num jogo mortal durante uma tempestade, com um possível assassino misterioso no grupo; entre cadáveres e sem wi-fi.

É um filme que beneficia, sem dúvida, de um público familiar com a aura de insanidade apresentada na história, plenamente disposto a aderir nesta viagem tresloucada de influencers berrantes. Apesar de ser uma imagem capaz de afugentar uma plateia cansada deste género de indivíduos fora do cinema, Reijn supera as expectativas e entrega uma experiência fenomenal que encontra o humor e a tristeza no seu espaço cínico.

É necessário reconhecer que o enredo emite uma sensação de absurdo e exagero semi-cruel na representação destas personagens que, acompanhadas por corpos mortos, perdem-se em discussões fúteis acerca de privilégio, toxicidade e gaslighting. Nesta mansão, um assassinato exibe similar nível de gravidade à crítica de um podcast. Ainda assim, seria injusto simplificar esta divertida narrativa somente como uma crítica antiquada à nova geração, produzida por criadores – muito – distantes da idade destas personagens. Bodies Bodies Bodies mantém-se além de obras medíocres destinadas a interpretar a antiga frase “No meu tempo…” enquanto procura sobrepor-se à presunção aborrecida de argumentos semelhantes. O seu ambiente, juntamente com as suas protagonistas, arrisca cair constantemente no insuportável, contudo, este potencial desastre é acudido pelas suas fantásticas atrizes, que complementam a narrativa com charme nas suas interpretações, nomeadamente a estrela de Shiva Baby (2020), Rachel Sennott, que rouba o espetáculo com um encanto ingénuo a escapar entre o ridículo das suas palavras, e pelo seu excelente argumento.

Existe um esforço genuíno em criar pontos emocionais escondidos entre as gargalhadas que previnem esta longa-metragem de se tornar demasiado irónica para o seu próprio gosto; elevando os seus elementos cómicos sem prejudicar o apelo dramático das suas temáticas, executadas com uma atenção especial pela argumentista, Sarah DeLappe, na construção destas personalidades. Ninguém é inocente e ninguém é inteiramente desprezível, e mesmo quando as suas falhas permeiam as suas existências, são inevitavelmente produtos de um espaço opulento, seja na vida real ou na internet. O disparatado nunca retira a sua humanidade e o texto nunca alcança os conceitos enfadonhos de culpar somente a nossa relação com tecnologia e as redes sociais pois o foco da realizadora está nos efeitos secundários e na forma como a linguagem diverge entre estas realidades e impacta profundamente a comunicação.

Bodies Bodies Bodies sobressai na forma como transmite estes conceitos ásperos, entre as suas piadas atrevidas, ridicularizando a obsessão de uma geração em perseguir frases pseudo intelectuais sem uma essencial reflexão própria e percorrendo a fragilidade das suas relações debilitadas por esta visão túnel do seu mundo. Uma visão representada pela direção de fotografia que se aproxima fortemente dos rostos deste elenco, utilizando o mínimo de iluminação possível ao empregar as lanternas dos telemóveis como uma das únicas fontes de luz para as audiências. Uma escolha que desenvolve uma imagem escura, principalmente habitada por metafóricos pixels mortos, colocando as personagens perdidas, guiadas somente pela claridade artificial dos seus iPhones. Assim permanecem, até os cadáveres esgotarem ou a bateria acabar.

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