Blue Moon (2025)

de Rafael Félix

Lorenz Hart é responsável por dezenas das peças de teatro musical mais importantes da primeira metade do século XX, nos Estados Unidos da América, em conjunto com o inultrapassável compositor, Richard Rodgers, que viria a compor, depois de mais de 20 anos de colaboração com Hart, a peça mais importante da história do teatro americano: Oklahoma!, mas com letras de Oscar Hammerstein.

Blue Moon, a música que dá o nome ao novo filme de Richard Linklater, e o maior êxito de Larry Hart, ouve-se no piano do bar onde passaremos as próximas duas horas, a celebrar a estreia de Oklahoma!. Larry (Ethan Hawke) é o primeiro a chegar ao espaço ainda vazio, à exceção do bartender Eddie (Bobby Cannavale), que parece já conhecer de outras noites de alcoolismo, e E.B. White (Patrick Kennedy), o ensaísta e mágico da língua inglesa.

Blue Moon abre com duas citações. A primeira é de Hammerstein que se refere a Larry como “dinâmico e divertido” e a segunda é de Mabel Mercer que o descreve como “o homem mais triste que já vi”. Uns meros 10 minutos depois do apagar das luzes, percebemos que as duas descrições podem, e são, simultaneamente, verdade. O argumento de Robert Kaplow, com base nas cartas que Larry Hart escreveu a Elizabeth Weiland, é dilacerante e hilariante, tal como Hart. Um transformado e brilhante Ethan Hawke incorpora um homem frenético, tão apaixonado pela vida, pela arte e pela beleza como absolutamente esmagado por estas. Quando fala em Elizabeth (Margaret Qualley), Larry fá-lo com um amor que desafia a melhor poesia, sendo necessário trazer um carismático Bobby Cannavale para equilibrar estas divagações Shakesperianas com piadas absolutamente rasteiras e vulgares, que funcionam uma e outra, e outra e mais outra vez como travões humorísticos para as declamações de Hart. Em toda esta paixão desmedida que o dramaturgo vai despejando, Linklater vai sugerindo que existem duas Elizabeth: a rapariga alta e elegante de 20 anos que entra no bar e beija a face de Hart como uma amiga de longa data; e a que Lorenz imagina para fazer jus à sua narrativa, uma apaixonada por ele e embasbacada pelo seu talento.

Onde quer que Larry esteja, Linklater coloca a câmara de forma a mostrá-lo como um homem minúsculo, em salas e cadeiras que parecem demasiado grandes para ele, junto a pessoas que parecem sempre gigantes quando colocadas ao seu lado. Contrariamente, mesmo com a linguagem visual da câmara Shane F. Kelly a enquadrá-lo como insignificante no meio de um cenário tão imenso, Lorenz, quando fala, é sempre como que o centro da sala, o núcleo gravitacional sobre o qual todos os presentes neste bar orbitam. A sua relação com as palavras é intoxicante e magnética e a sua cadência uma incessante avalanche de palavras que desafiam os limites da exasperação, não fosse o facto de Hawke, mesmo captando todo o inflamado ego de Hart, trazer uma declarada porção de melancolia ao seu tom.

Toda a sua autoadulação vem com tristeza no olhar, que nunca é mais clara do que quando Rodgers entra em cena e Larry exige irritadamente uma discussão sobre o que este quer para a sua carreira. O primeiro quer algo emocional, que faça as pessoas rir e sentir, onde o herói, no fim, consiga ficar com a rapariga. Hart quer desafiar, quer satirizar, quer captar com igual atenção o romance e a desilusão das suas personagens. Rodgers é alto, bonito, talentoso, humilde. Larry é baixo, não particularmente atraente, arrogante e condescendente. Um tem o mundo a seus pés: a arte, a crítica e as mulheres. O outro divaga por bares a discursar apaixonadamente sobre mulheres que não parecem corresponder aos seus avanços. Não admira que Lorenz Hart rejeite as narrativas fáceis dos heróis irrepreensíveis: é tudo aquilo que não consegue atingir.

Lorenz Hart é um herói repreensível. É um homem traído tanto pelo talento e pelo ego. É um ambicioso que rejeita o sentimentalismo nas suas criações, mas vive desesperadamente à procura dele na vida real. A vida de Larry é feita de necessidades complicadas, quereres contraditórios e expectativas invariavelmente falhadas. Blue Moon é um hino às complicações do amor e da arte, aos criadores que apontam em frente para o desconhecido, mas no fim abandonados por um público que procura o conforto em vez do real. É uma celebração aos românticos incorrigíveis e ao desapontamento do qual não se conseguem livrar.

Não há ninguém mais apropriado que Ethan Hawke, que viveu três décadas de amores, encontros e desencontros com Linklater, para dar voz a um dos mais apaixonados e melancólicos trabalhos do realizador até à data. Os dois, raras vezes, foram melhores que em Blue Moon.

4/5
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