Blue Beetle (2023)

de Pedro Ginja

“You are wrong… Family is what makes me strong”.

Blue Beetle é um dos mais obscuros e desconhecidos heróis da DC, mas com uma história surpreendentemente rica. Criado em 1939 por Charles Nicolas e Will Eisner passou por várias iterações e várias companhias de comics. Desde o polícia com um fato à prova de bala e um elixir mágico de super-energia, de nome Dan Garret, nos anos 30′ (inspirado na era de ouro dos gangsters) até ao professor universitário que descobre um besouro azul da civilização egípcia (percursor de Indiana Jones?). Só muito depois chegou às mãos da DC Comics, em 1986, onde foi reinventado como Ted Kord, um estudante de Dan Garret, que lhe passa o manto após a sua morte. Foram, no entanto, precisos mais 20 anos até chegarmos a este Jaime Reyes, o Blue Beetle sobre o qual recaí esta história.

Aqui, acompanhamos Jaime Reyes (Xolo Maridueña) e a sua família durante um período de grandes dificuldades financeiras. Após um encontro fortuito com Jenny Kord (Bruna Marquezine), consegue uma importante entrevista de emprego nas indústrias Kord em Palmera City, onde acaba por entrar em contacto com um “besouro azul” de origem alienígena, com poderes imensos, que o escolhe como hospedeiro. Esta mudança acaba por alterar o seu destino e pôr em causa tudo o que ama e o que o define como pessoa.

Vamos iniciar com o elefante na sala dado às constantes falhas do DC Universe neste capítulo nos últimos tempos. A qualidade dos efeitos especiais passa o teste com distinção, mas com alguns reparos a considerar. Um deles é o erro em mostrar os melhores momentos no trailer do filme, habitual nos dias que correm, mas que retira o elemento surpresa de tantas produções de Hollywood. O outro, é a avalanche de efeitos na conclusão da história, um pecado capital de tantos filmes de super-heróis, com alguns shots inevitáveis de menor qualidade, mas que nunca, em algum momento, se sobrepõem aos pontos mais fortes do argumento.

Os pontos fortes estão assentes num casting inteligente e no tema da família como o coração da narrativa, aliando-o ao sentido de comunidade como o seu motor. O que cimenta este dois temas e dá a Blue Beetle a sua própria identidade é o uso (e abuso) da comédia. As piadas estão sempre na ponta da língua e conseguem, na sua maior parte, fazer rir. Mesmo os inevitáveis “duds” têm uma vibe de “dad jokes” e o espectador acaba por os abraçar também – levante o braço quem, numa reunião familiar, não se riu incontrolavelmente sem razão aparente. É este o sentimento dominante do espectador durante o filme – um momento familiar feliz. Este equilíbrio na narrativa é um trabalho conjunto do argumento de Gareth Dunnet-Alcocer e da direcção de Angel Manuel Soto, cujo sentido de comunidade já estava à vista de todos em Charm City Kings (2020).

Relativamente ao casting, o principal responsável é Xolo Maridueña, no radar desde Cobra Kai (2018-20123), com uma mistura de carisma e insegurança impossíveis de resistir, e uma força/resiliência que aumentam gradualmente com a história – de adolescente inseguro a um homem de certezas em 127 minutos é obra. O crescendo de tensão/química com Bruna Marquezine é algo impressionante, reflectindo essa ideia na perfeição. Uma estrela em ascensão e uma certeza no DC Universe. O outro é George Lopez como Rudy Reyes, o tio “sem filtros” da família Reyes, a roubar cada cena em que entra e com os melhores one-liners do filme – “Batman is a fascist” vem à cabeça num instante. Destaque para Belissa Escobedo, uma revelação com uma energia muito própria, e o trio de veteranos Damián Alcázar, Adriana Barraza e Raoul Max Trujillo a trazer experiência e gravitas a cada um dos seus papéis. A desiludir temos Becky G. como voz da simbiote Khaji-Da, que dá os poderes a Jaime Reyes, sempre frouxa e monocórdica, e Susan Sarandon, em piloto automático, e sem conseguir ser a vilã que o filme precisava.

Notas finais para uma paleta de cores irresistível, com um uso obsceno de tons de azul lindíssimos misturando-o com violetas e verdes (não devia, mas funciona), no lado dos heróis, em contraste com os tons metálicos e vermelhos dos vilões numa combinação fácil de gostar. Ao aliar a isto uma quantidade insana de luzes no fato do Blue Beetle, o uso e abuso de néon na ficcional Palmera City (e não só) e uma cinematografia moderna, fácil de agradar, mas demasiado polida (parece tudo igual neste género). A homenagem ao passado de Blue Beetle é sentida, com a representação de cada uma das iterações da personagem, assim como a idolatria do analógico e algumas referências à cultura pop deliciosas – nunca roubar descaradamente de Power Rangers (1993-1996) soube tão bem.

Uma ode à família e uma sentida homenagem à comunidade Latina, é o que fica na memória. Isso e ainda algumas surpresas incomuns no género, efeitos especiais impressionantes e um elenco desconhecido mas carismático, com destaques óbvios para Xolo Maridueña e George Lopez. Não vai alterar o sentimento de cansaço geral com os super-heróis ou o seu inevitável fracasso comercial, mas é um passo importante na inclusão e no futuro da DC a longo prazo.

3.5/5
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