Poesia Oral era a forma tradicional de divulgar histórias míticas compostas por folklore antigo onde se explorava a essência do mundo, mediante o fantástico. Estes contos permaneceram preservados na cultura, através da evolução das capacidades humanas, na escrita e nas artes, eventualmente influenciando a presente literatura Ocidental. Assim, os autores lograram a criação do corpo da Mitologia Grega, simbolicamente relevante na sua natureza que intencionava elucidar o mundo caótico que nos envolve.
Presentemente observamos estas narrativas dramáticas como banais, pois o seu influxo estendeu-se para além das possibilidades, originando uma frase que adoro proferir: “Não é clichê, é mitologia grega”. Um exemplo que evidencia a inevitabilidade de cansaço e previsibilidade quando não evoluímos estes contos e traduzimo-los para uma sociedade moderna habituada a estes enredos, cujos momentos dementes são ignorados na nosso cinema, como nuvens grávidas e a fornicação entre uma Deusa e um Cisne, que atribui um novo significado ao Lago dos Cisnes.
Blood of Zeus segue um combate entre humanos e um exército demoníaco, numa Grécia Antiga. Entre esta batalha, Heron, um jovem plebeu, descobre a sua verdadeira identidade como filho de Zeus e o seu propósito na vida. Uma série inspirada pela mitologia, longe dos poemas de Homero, focando-se no cinema, exemplificado na criação da personagem principal, o seu oponente e nas referências a Clash of the Titans (1981). Este procura homenagear o género e demonstra o seu impacto, ao ser principalmente influída pelas obras que nasceram dessa influência.
A Banda Sonora assevera este objetivo, manifestando o clássico estilo reminiscente dos épicos de Ben-Hur (1959), Spartacus (1960) e Os Dez Mandamentos (1956) e capturando um ambiente único que difere da música presente e adiciona uma elegância e distinção epopeica aos episódios, compensando os seus elementos genéricos.
Os criadores são os argumentistas da desastrosa versão live action americana de Death Note (2017) e da aborrecida longa-metragem Immortals (2011), contestando a sua ligação com os temas mencionados. Blood of Zeus é a primeira entrada em anime, onde a dupla é recompensada pelos pecados passados ao incutir a sua paixão notável neste projeto, sobrepondo-se à falta de experiência, nomeadamente nas cenas quietas que assemelham-se a storyboards esquecidos no produto final.
A receção positiva intrigou-me inicialmente devido ao seu trabalho de animação no primeiro episódio em que frames desaparecem, resultando na mobilidade das personagens a ocorrer excessivamente acelerada ou tardia com pausas constrangedoras. A expressão facial e vocal estranha na abertura, com um rosto fixamente sonolento e uma postura perfeita que raramente altera e danifica a presença natural destes protagonistas, como se estivessem presos numa única imagem.
Os seguintes episódios excedem esta primeira reação, recuperando o ritmo no enredo e maximizando o orçamento nas sequências de ação absolutamente incríveis que culminam numa última batalha que absorve-nos por completo. O seu uso de cores e composição de imagem deslumbram na sua ambição, demonstrando que a paixão sobrevive à escassez de experiência.
A criatividade do design varia entre a magnificência e peculiaridade dos Deuses e Gigantes à beleza genérica dos humanos, distantes de particularidades memoráveis. Os espaços majestosos oferecem um mundo visual detalhado com originalidade e simbolismo, e ambientes estrondosos que sobressaem profundamente.
A montagem de som destaca-se negativamente, notável nas ações e objetos cujos efeitos sonoros são omitidos e retiram a vitalidade desta narrativa. Uma base necessária para sentirmos inteiramente a intensidade destes dramas e um trabalho indispensável em animação que exige um nível de atenção superior nestes pormenores pois o mundo contemplado distancia-se da realidade.
O voice acting concede a seriedade que os criadores pretendem, aproximando os heróis da estoicidade humana, contudo, contrastando por vezes as imagens, como uma atriz que expressa a sua tristeza subtilmente apesar da personagem exteriorizar essa mágoa numa aparência descomedida. Imaginem ouvir Casey Affleck a fazer a voz de Nicolas Cage. A intenção de se desviar da amplitude exagerada comum em anime ao associar o hiperbólico com performances austeras contradita um género que exige essa exorbitância, somente resgatada pelo talento do elenco que remedia essa finalidade ambígua.
As personagens são maioritariamente aborrecidas, sem personalidade para além de um traço que as move a prosseguir no enredo, com exceção de Zeus que deleita a série com as suas escapadas eróticas, criando cenários semelhantes a uma sitcom. A emoção da narrativa reside nele, como uma problemática figura paternal e na tragédia da personagem de Seraphim, equilibrando a fraca caracterização do elenco onde Heron é somente um Luke Skywalker de túnica. Blood of Zeus é uma história sobre destino e livre arbítrio, com um pacing impecável salientado na sua paixão e intensidade. O drama realçado na grandiosidade que os criadores inferem nesta série e a animação estilizada eleva o storytelling e as pobres personagens a um nível superior do seu argumento trivial. O objetivo de homenagear o género foi cumprido, agora aguardo uma segunda temporada em que os argumentistas explorem o núcleo e a insanidade da mitologia ignorada pela sétima arte ou no mínimo reinventem estes conceitos para uma audiência moderna, além de “Mitologia Grega em Formato Anime”.