Sedutor, envolvente, divertido e surpreendentemente romântico, a nova longa-metragem de Steven Soderbergh – que entregou 2 filmes para os cinemas neste ano, o mais próximo que Hollywood consegue de Takashi Miike – é um bouquet de balas, mentiras e jogos provocantes atirado para um altar de paixão monogâmica. Um anel de noivado que funciona como uma granada. Só quem tira o anel é que sofre a explosão. Black Bag, um termo utilizado para referir operações clandestinas ou quando um espião precisa de esconder a sua infidelidade, é um thriller sobre um casal de agentes secretos numa nova missão que pode implicar o fim do seu casamento. George Woodhouse (Michael Fassbender), é encarregado de investigar 5 agentes do MI6, suspeitos de trair a nação e vender uma arma mortífera, intitulada Severus. Entre os nomes listados, encontra a sua mulher, Kathryn Woodhouse (Cate Blanchett), considerada o rato culpado.
Soderbergh comprova novamente que a prática, astúcia e experiência conseguem, ocasionalmente, imperar sobre o perfeccionismo, principalmente quando acompanhado por um excelente argumento (David Koepp) que substitui explosões por conversas e esquemas emocionais, priorizando as dinâmicas peculiarmente privadas entre casais espiões, e fascinado pela distância entre a verdade e a mentira para seres cuja vida é dominada pelo segredo. “When you can lie about everything, when you can deny everything, how do you tell the truth about anything?”, uma questão colocada por Clarissa Dubose (Marisa Abela) – especialista em imagens de satélite –, para justificar as suas relações amorosas e o seu flirting com George, serve como o mote desta narrativa.
Classificados como o “par perfeito” pelos seus colegas, envolvidos nas suas próprias ligações desleais, George encara as suas dúvidas com um procedimento calculista, frio e impiedoso. Apesar de ser inspirado por Who’s Afraid of Virginia Woolf? (1966), George e Kathryn confirmam ser, verdadeiramente, um casal perfeito. É uma conexão subtilmente forte, acudida por uma química escaldante entre Blanchett e Fassbender, salientada nos detalhes das suas rotinas, afazeres diários típicos das suas respectivas personalidades e nos pequenos diálogos prazerosos que sugerem uma existência além do que nós conseguimos testemunhar. É suficiente para aceitar que o destino do mundo merece ser um aspecto secundário perante o seu casamento. Ainda assim, George precisa de descobrir a verdade, acima de tudo.
Através de uma história de espionagem é desenvolvida uma temática sobre o essencial para um casamento funcionar, decorada com metáforas cativantes, desde uma mesa de jantar a servir como o palco fundamental para esta seleção de casais comprometidos em intrigas, até um cenário pacífico de pesca apropriado para um homem que adora fisgar a honestidade das pessoas em seu redor, ou mesmo o significado sentimental na utilização manipulativa de uma arma que ameaça destruir relações políticas. As suas alegorias sangram além do seu argumento engenhoso infiltrando-se também nos seus visuais. Black Bag beneficia de uma iluminação repleta de sombras quentes (uma escolha bizarra para clarear o elenco durante um jantar estranhamente funciona), ângulos abertos e planos similares às filmagens de câmaras de segurança, para estabelecer um ambiente voyeurístico onde as personagens estão sempre a ser observadas, vigiadas e questionadas, seja por elementos exteriores ou dentro do seu grupo, e reflectida num design de produção que usufrui da organização metódica dos seus espaços para demonstrar o conhecimento e a confiança destes protagonistas.
Black Bag é um tiro certeiro num coração à prova de bala; um casamento entre estilo e emoção, com uma banda sonora cool reminiscente da trilogia Ocean’s, e performances fantásticas do seu elenco mas sobretudo da sua dupla principal: Blanchett equilibra um glamour característico de clássicas estrelas do cinema, interpretando a ideia de uma femme fatale sensual, com uma interioridade apaixonada mas cuidadosa e uma inteligência maravilhosa de observar; Fassbender, com uma personagem reservada, minuciosa e silenciosa, consegue, ainda assim, manifestar as suas profundas emoções furtivas num apertado movimento, num breve olhar e na entrega seca das suas falas, calculando o seu próximo passo enquanto limpa as suas pegadas anteriores. Impossível não deixar escapar um sorriso maroto sempre que estamos perante este casal.
O resto? É Black Bag.