Billie Eilish: The World’s a Little Blurry (2021)

de Antony Sousa
Billie Eilish: The World's a Little Blurry

O fenómeno mundial Billie Eilish lançou com pompa e circunstância no passado dia 26 de Fevereiro aquele que será com toda a certeza um dos filmes mais vistos, comentados e analisados do ano. Para os fãs tem a intimidade que criará uma ligação mais forte que nunca com a estrela, e para os restantes tem o processo criativo minimalista de dois irmãos artistas quase que do berço, e um retrato genuíno de uma adolescente a ser adolescente, enquanto todos os olhares impunham uma pressão anormal para qualquer pessoa, quanto mais para alguém com a sua idade.

Este é um documentário que segue de forma cronológica linear a intimidade da Billie Eilish e da sua família, entre os 16 e os 18 anos da artista norte-americana. backstage de concertos, dramas pessoais, saúde mental, o crescimento assustador de escrutínio, e o trabalho normalmente invisível à generalidade das pessoas por detrás de cada canção que reproduzem no spotify ou videoclipe no youtube.

Num rasgo de ousadia começando pelo início, pouco tempo é dispensado para imagens dos irmãos na sua infância, mas tudo o que aparece é condizente com a imagem já criada em relação aos dois, que foram duas crianças com inclinações artísticas vincadas e que cresceram num ambiente incentivador à criatividade e exploração da expressão artística. Isto faz-nos pensar na influência gigante que podemos ter numa criança desde tenra idade, a sensibilidade que temos para entender os sinais que nos dá sobre os seus gostos naturais, mas sobretudo aquilo que lhe damos a conhecer, o ambiente proporcionado para ser uma criança, e ter a sua imaginação livre de restrições tradicionais. São conhecidos vários estudos que revelam os benefícios da arte no crescimento de crianças, no seu desenvolvimento cognitivo e de empatia para com o que as rodeia. Não seriam todas Billie caso tivessem o mesmo contexto, nem é disso que se trata, simplesmente teriam uma consciência mais desenvolvida, e uma maior capacidade de obter um pensamento crítico autêntico, além de uma cultura de respeito pelas palavras, sons, imagens, tudo o que conte e sirva uma história, que no fundo está na génese da habilidade de comunicar dos seres humanos, e que nos distingue de outras espécies.

Há uma nudez emocional típica de uma história centrada numa pessoa tão nova, e isso é de louvar, nota-se até pela duração superior a 2 horas do filme que houve maior preocupação em respeitar a essência que passa da música da Billie, ou seja, autenticidade, do que em editar tudo de forma a passar uma imagem mais certinha ou “perfeita” de um ídolo para milhões de jovens no mundo. O exemplo está na aceitação do que nos faz diferentes, e na aprendizagem diária de como lidar com isso de maneira mais saudável para a nossa mente. Em muitos momentos sentimos a ansiedade dela como se fosse nossa, o medo de falhar, não ser suficiente, ser julgada nas redes sociais, tudo isto são coisas que já nos passaram pela cabeça à proporção da nossa realidade.

Finneas é absolutamente decisivo na música, desde a composição, produção, harmonias, letras, mas o que salta mais à vista é o sentido de protecção comovente que tem pela irmã mais nova, mais uma vez relembrando que apesar de se tratar de um fenómeno planetário no fim de contas esta é uma história sobre uma adolescente à procura de se conhecer, como qualquer outra numa realidade de primeiro mundo, e os problemas não deixam de existir por se passar a ser famoso, rico e cobiçado, o apoio dos mais próximos é tão ou mais importante ainda. Talvez seja o único ponto de desilusão do documentário, deixar Finneas num “papel” tão secundário, está sempre lá quando é preciso para a irmã, mas quase nunca o vemos num contexto de indivíduo, sem relação com mais ninguém, mas talvez um documentário futuro proporcione isso, o seu talento fascinante deixa adivinhar isso.

Os pais são um factor decisivo para sequer eu estar neste momento a escrever uma crítica sobre The World’s a Little Blurry, o facto de nunca conceberem outra coisa que não fosse acompanhar sempre os filhos para todo o lado e mantê-los de pés no chão a toda a hora, não impedindo que demonstrem carinhosamente o orgulho que sentem pelos seus feitos, é a chave para o sucesso crescente de Billie Eilish. Várias vezes são referidos exemplos de artistas que por terem explodido na visibilidade de forma tão repentina e prematura não resistiram à pressão das circunstâncias, e caíram de alturas significativas. Essa consciência revela-se sempre presente em quem tem a responsabilidade de educar os seus filhos, independentemente de já terem milhões no banco e milhões de seguidores. 


Esta é uma história que se inventada seria envolvente e bem pensada, mas nunca conseguiria atingir a crueza e a veracidade da realidade, o que atesta ao compromisso de confiança para com o público ao deixar ficar na edição final todas as sequências que num mundo cruel potencialmente fragiliza uma figura estratosférica para uma nova geração, e aceita a vulnerabilidade de factores como coração partido, literalmente ossos partidos enquanto decorre uma tour, síndrome de tourette, e depressão. O mundo de facto está longe de ser transparente, como o título indica, porém precisamente por isso precisava de algo assim, honesto, esperançoso, duro, real, puro, sem esconderijos nem poeira para os nossos olhos. 

4.5/5
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