Beware of Trains (2022)

de Pedro Ginja

Primeiro estranha-se depois entranha-se seria a melhor maneira de descrever este Beware of Trains de Emma Calder. Não é de todo uma desconhecida no mundo da animação tendo já produzido 6 curtas-metragens. Apesar de trabalhar desde 1986 na área apenas a partir do ano de 2014 conseguiu ter a oportunidade de trabalhar mais na produção, realização e escrita de filmes e assim poder mostrar a sua arte tão singular a mais espectadores. Chegamos ao ano de 2022 com este Beware of Trains e o futuro parece um mundo cheio de possibilidades para Emma Calder.

Beware of Trains fala de uma mulher com uma ansiedade extrema e de uma visita a uma psicóloga onde desabafa sobre os seus traumas e preocupações. Um homem misterioso num comboio, um assassinato que pensa ter cometido nos seus sonhos ou histórias da sua filha e do que lhe aconteceu são alguns dos temas que revela. Conseguirá ela obter a paz de espírito que tanto deseja?

Logo no início estabelece-se o comboio como elemento central da história mas a sua pertinência não é a esperada. É o local onde se estabelece as ansiedades e incertezas de uma mulher e onde se percebe o quão pessoal é este filme para Emma Calder. Trata-se de decifrar a relevância de um sonho que a própria teve há muitos anos atrás e que, segundo a própria afirma, nunca saiu da sua mente. Como um demónio do qual se procura libertar. Usa uma amálgama de técnicas de animação desde a animação tradicional, o uso de imagem real, de sombras e também um processo de colagens, principalmente na personagem principal em que os olhos são “cortados” e colados de fotografias da própria realizadora. O impacto desta opção é marcante na história e na representação dos sentimentos da personagem principal, o alter-ego de Emma Calder. Este argumento não é mesmo para crianças com temáticas duras e discussões intensas sobre saúde mental, suicídio, sexo, nudez e uma conversa franca sobre o que a atormenta. A dicotomia sonho/realidade adquire uma importância chave na narrativa por nos fazer duvidar do que é verdade ou mentira, chegando ao ponto de questionarmos estas noções e o mundo desta mulher. Os vários layers da narrativa levam o cérebro a um completo “overdrive” e revelam a intensidade imposta a este argumento surpreendente. Nem sempre a animação é das mais fluídas mas está sempre ao serviço da história e acaba para passar para segundo plano face às necessidades da narrativa. Nem tudo é perfeito mas é sempre extremamente sincero e honesto.

É uma das mais interessantes viagens à mente humana que vi nos últimos tempos por conseguir mostrar Emma Calder em toda a sua glória mas também nas suas ansiedades e medos. A decisão de se expor desta maneira revela uma imensa coragem, nestes tempos em que todos procuram a perfeição, e confirma, mais uma vez, o seu imenso talento. Haja a oportunidade de expandir o seu universo para uma longa-metragem para podermos descortinar Emma Calder em todo o seu esplendor. Esperemos que esteja para breve.

3.5/5
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