Between Heaven and Earth (2020)

de João Iria
Between-Heaven-and-Earth

Numa pausa circunstancial para comer falafel, Najwa Najjar, uma realizadora Palestiniana conheceu um homem a lamentar o futuro do seu filho, que se recusava a aceitar uma oportunidade para estudar cinema em Londres. Uma proposta rejeitada devido ao sentido de dever que tinha em proteger Iqrit, uma vila invadida pelo exército Israelita em 1948, declarada como zona militar. Najjar desconhecia a sua localização e numa viagem de 10 horas, encontrou somente três jovens, intitulados de Guardiões de Iqrit, que permaneciam neste espaço perdido em destruição para impedir a ocupação de Israel. 

Between Heaven and Earth foi inspirado pela experiência Palestiniana, nomeadamente por três realidades que interjecionam-se num conto ficcional sobre o fim de uma relação. Os assassinatos de ativistas Palestinianos em Beirut pela Mossad em 1970, as “Crianças Perdidas” de Judeus Árabes emigrantes em Israel, “adotadas” e declaradas como falecidas, sem o conhecimento dos pais e o acontecimento de Iqrit, uma vila que conseguiu reclamar a sua terra de volta e sobreviver contra os ataques da IDF (Israel Defense Forces). 

Após 5 anos de casamento, Tamer (Firas Nassar) e Salma (Mouna Hawa) iniciam um processo complexo burocrático para divorciarem-se. Um casal Palestino num Tribunal Israelita com uma descoberta inesperada sobre o passado do pai de Tamer que os impede de separarem-se oficialmente e impele ambos numa viagem para descobrir a verdade e obter a documentação apropriada para terminarem a união. 

Na sua terceira longa-metragem, Najjar explora uma vida sobre ocupação militar que limita a liberdade de movimento e impacta as relações. Independentemente dos desejos destas personagens, as suas existências estão presas num ambiente restritivo que torna o próprio ato de viver como uma ação política. O legado desses eventos exibidos nas paisagens, ambiente e cidadãos aleatórios que encontram durante a sua viagem servem como recordação do passado que ambos procuram esquecer ou ignorar. 

Uma homenagem ao pai da realizadora e as suas raízes Palestinianas, num enredo sobre um romance em declínio e a constante repercussão de episódios perturbantes na formação e desenvolvimento de personalidade. Uma ideia refletida nos pais ativistas revolucionários dos protagonistas, no caso de Salma, um homem fantasma do que outrora foi nesses tempos e em Tamer, um repórter assassinado em Beirut com um mistério intrigante pendente, cujo desfecho pesaroso abrupto é resgatado pelo acting de Nassar que infere uma intensidade profunda ao momento comovente.

Os atores interpretam admiravelmente a complexidade de manter uma relação quando a angústia do ontem se enraíza e cresce na nossa mente fechando-nos emocionalmente e impedindo um presente aberto. Nassar previne a personagem de cair num poço de infantilidade, capturando a subtileza cativante do seu secretismo enquanto Hawa carrega o peso emocional desta história nos seus ombros, numa inquietação palpável. As excelentes performances do casal conduz a audiência numa boleia até ao excelente trágico terceiro ato, ultrapassando os percalços narrativos com sucesso e envolvendo a dupla com compreensão e empatia. 

O argumento pontifica a escassez de apoio emocional perante acontecimentos frágeis, que provoca um ambiente desnivelado entre os dois nas suas respetivas perspetivas da separação, revelado lentamente no decorrer da longa-metragem. Najjar navega pelo processo individual mental de defrontar a resolução de um casamento e a influência traumática do passado de uma cultura através do absurdismo burocrático.

A realização expressa uma vertente perspicaz na viagem emocional do casal que juntamente com o acting dos protagonistas destaca-se superiormente aos outros elementos em Between Heaven and Earth. As nuances políticas marcam uma rotina bizarra onde as turbulências administrativas afetam o seu futuro, exemplificado na possibilidade de serem impedidos na passagem da fronteira, necessária para finalizar o divórcio e na transição da dinâmica de poder entre o casal, simbolicamente notado no carro que conduzem e na escolha do condutor. 

Uma das intenções da realizadora era demonstrar, nos métodos habituais de storytelling road trip, as paragens imprevistas que moldam a nossa visão e proporcionam uma aprendizagem acerca de nós próprios. As personagens secundárias transmitem este conceito ligeiramente descuidado com uma natureza que sobressai como presa entre objetivos, apresentando ideias vagas sobre amor e manifestando as relações complexas entre Palestinos e Israelitas. Apesar de divertidas e relevantes, os acasos alheios instrutivos que Najjar tanto quer preservar no enredo como influentes no terceiro ato acabam por aparentar como peças substituíveis na construção deste filme.  

A direção de fotografia captura as localizações históricas como memórias das tragédias e ao mesmo tempo complementa a sua beleza actual, afastando-se do genérico ambiente do Médio Oriente no mainstream. A Banda sonora melódica de Tamer Karawan e a inclusão de músicas Árabes criam uma paisagem simultaneamente desoladora e estimulante, apropriada para o confronto intimo e privado de um casal a enfrentar o seu presente.

Between Heaven and Earth sobrevive aos seus pequenos obstáculos como um exemplo de cinema humano, expondo um panorama magnético com personagens complexas. Em criança, Najjar sonhava construir uma narrativa que demonstrasse a universalidade da identidade Palestiniana cinemática. A divisão emocional e física que existe num divórcio situado em território dividido com um procedimento interminável de separação individual e no ambiente transmite uma cultura que difere profundamente da nossa, no entanto, qualquer indivíduo em qualquer lugar irá relacionar-se com os seus sentimentos abrangentes.

3.5/5
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