Better Man (2024)

de Antony Sousa

Quando nos últimos meses tivemos Emília Perez (2024) com 13 nomeações aos óscares, uma sequela de Joker de Todd Phillips e um Wicked (2024) exuberante no box office, eis que surge um mais discreto Better Man, para instantaneamente se colocar no primeiro lugar dos musicais mais surpreendentes, originais, intensos e emocionalmente poderosos em largos anos!

O filme conta a história de Robbie Williams, músico globalmente conhecido e reconhecido do grande público, desde a infância até próximo do momento presente. Com a irreverência como arma de arremesso, o cantor britânico expõe o que se esconde debaixo da sua pele de artista imprevisível, revelando sem tabus todo o seu percurso até à fama, até aos vícios e até a redenção.

Tudo começa com a face e corpo de um macaco, em vez da cara e corpo de um actor a interpretar Mr. Williams, o que entre outras razões explica a nomeação do filme na categoria de melhores efeitos visuais na cerimónia dos Oscars de 2025. A metáfora de ter a estética animal em vez do ser humano é um toque de originalidade muito particular, porque aliada à narrativa, formam uma tese visual sobre o que pode representar síndrome do impostor, as diferentes máscaras que todos usamos para camuflar as nossas inseguranças e traumas, e a nossa relação umbilical com o passado que persiste em ter papel activo e até visceral nas nossas decisões e reacções do presente.

Há um ponto de partida para qualquer corrida, e a corrida do crescimento desde a infância até à vida adulta tem por norma a sua origem na influência do que nos circunda, em especial no exemplo dos pais, na sua presença ou ausência, no que dizem ou deixam por dizer, no modelo que são, positivo, negativo ou aberto a interpretação. O que é certo é que somos todos produtos de circunstâncias diversas, mais as pessoas que tiveram a responsabilidade de cuidar de nós quando ainda não éramos capazes de o fazer sozinhos. Essa mescla por vezes pode ser confusa e demorar a revelar a sua verdadeira essência. Pelo caminho ficarão certamente erros, problemas, dilemas, medos e contradições, mas a esperança existe para todos os que acreditarem em lutar pelo seu eu. Todo o enredo é uma demonstração de humanidade pura, no seu melhor e pior, que tropeça nos seus obstáculos e se reergue como se nada fosse, com uma naturalidade que nos faz crer que se quisessem inventar esta história não seriam capazes de o fazer, tinha mesmo que ser entregue pelo próprio sujeito dos acontecimentos.

Se estivermos à procura das imperfeições de Robbie Williams vamos encontrá-las, no entanto desde o princípio somos preparados a considerar que os pedaços partidos do artista pop são o que torna a sua trajectória digna de ser contada em grande escala. E o mesmo podemos dizer de Better Man, já que as suas imperfeições são a patente registada da sua autenticidade. As duas realidades estão interligadas, o que significa que não há margem para embelezamentos da história nem tentativas fáceis de separar o homem das suas acções e tomadas de decisão mais discutíveis.

A estrela é humana, complexa e abraça tanto as quedas como os picos de euforia que pautaram grande parte da sua vida. A sua relação com o pai, com a avó, com o sexo feminino, com as drogas e acima de tudo com a música (um dos únicos vícios que salva ao invés de matar), nunca foi convencional, nem em momento algum facilitou o que viria a tornar-se num fenómeno. Digamos que numa casa de apostas as probabilidades do pequeno Robbie chegar onde chegou eram diminutas, um euro a favor do seu talento valeria uma fortuna em caso de sucesso e o mais certo seria não voltarmos a ver essa moeda. Ainda assim, contra todas as expectativas, milhões de pessoas ganharam apreço pelo artista ao longo dos anos. Agora ganharão apreço pelo homem.

No fim de contas, conta mais do que qualquer outra coisa a vontade de se ser uma pessoa melhor, num caso um better man, com tudo o que isso abrange de bom para os seus e para a sua carreira. Cada música emblemática do “macaco” mais humano de sempre passa a ser ouvida com outro peso e medida. As letras do autor atingem uma nova profundidade que requer a ajuda de mineiros para explorarmos todo o seu subtexto e significado. Tudo isto com música pop. A arte não é bestial? É capaz de nos fazer achar a coisa mais normal do mundo um animal representar visualmente uma super estrela passados poucos minutos. Capaz de nos fazer querer viver la vida loca, assentar, criar, cantar, mandar tudo para as urtigas, desabafar, rir e chorar. Capaz de unir laços que estavam cortados.

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