Um apelo à modernidade num Portugal muito pouco doce.
Inspirado livremente em factos reais, Bem Bom é a já merecida homenagem a uma das maiores girls band portuguesa de sempre: as Doce. O filme, realizado por Patrícia Sequeira, acompanha o processo de criação da banda, numa total crítica à sociedade portuguesa da altura. Destaca-se pela história, pelo ambiente descontraído, mas, sobretudo, pela banda sonora que é a “cereja no topo do bolo”. Mas desengane-se quem pensa que vai assistir apenas a um filme biográfico sobre uma banda. O enredo vai muito além disso. Há uma exploração interessante das suas vidas pessoais, reflexo do contexto social e político que se vivia em Portugal na década de ’80.
A história começa em 1979, quando quatro jovens se juntam para criar um grupo musical. São elas Fátima Padinha (Bárbara Branco), Lena Coelho (Catarina Carvalho), Teresa Miguel (Lia Carvalho) e Laura Diogo (Ana Marta Ferreira). Com a orientação da produtora PolyGram, e com a irreverência que as carateriza, começa uma jornada musical que rapidamente as conduz à ribalta.
A escolha das quatro atrizes que protagonizam as integrantes das Doce é um sucesso. Cada uma tem o seu momento para brilhar, e há uma grande atenção ao detalhe na criação das personagens. Podemos ver isso a acontecer quando Laura grava uma canção após saírem notícias sobre o facto de a “loira das Doce” fazer playback. O trabalho de Ana Marta Ferreira é exímio neste momento. Desde da voz, à posição corporal, tudo corresponde com a realidade vivida por Laura Diogo na altura.
A nível técnico, o filme é um pouco dúbio. Se por um lado, nota-se um investimento na multiplicidade de cenários que retratam os ambientes mais íntimos daquelas mulheres, depois, os momentos musicais, que deveriam ser o grande destaque do filme, perdem-se por serem quase todos gravados no mesmo sítio. Ainda assim, a nível sonoro o caso muda de figura, até porque não há como falhar. Somos levados numa linha temporal através dos grandes hits da banda, desde “Amanhã de Manhã” até “OK KO”.
Também o argumento sofre de algumas limitações. Há uma tentativa de explorar o lado mais obscuro da sociedade portuguesa, pondo em evidência questões como o racismo ou o machismo, mas é tudo muito elaborado à superfície, notando-se que não há uma intenção por parte da realização em explorar esses assuntos além do estritamente necessário.
Outro ponto que carece de atenção tem a ver com a forma como o filme foi montado. Na altura da sua estreia foi criada, quase como complemento, uma série da RTP que seria a versão longa da obra. Porém, ao vermos as duas, acontece que a série é muito mais sólida precisamente porque o tempo a permite ir ao pormenor, o que demonstra que o filme de Patrícia Sequeira tinha um elevado espaço para melhoria, se lhe tivesse sido dado o tempo que a história pedia para funcionar.