Belfast (2021)

de Guilherme Teixeira

Belfast conta a história de Buddy (Jude Hill), um rapaz de 9 anos que tem de lidar com novas emoções como o amor, alegria e perda, e tenta sonhar na Irlanda do Norte de 1969, mergulhada em conflitos políticos, sociais e religiosos. A história tem um teor autobiográfico e narra os acontecimentos que o realizador Kenneth Branagh viveu durante os conflitos entre católicos e protestantes em Belfast na década de 60′.

Belfast está repleto de momentos de aquecer o coração e de perguntas que nunca são respondidas, e isso deve-se ao facto do filme ser contado através da perspetiva de uma criança, o que cria a constante sensação de que a narrativa avança sem explicar devidamente o que está a acontecer.

Navegando um pouco nos méritos, um dos grandes momentos que faz qualquer pessoa soltar um “awww”, é o arco do nosso protagonista, Buddy. Durante uma boa parte do filme acompanhamos o enorme “drama” que este rapaz enfrenta quando se esforça para estar com uma rapariga que lhe roubou o coração. Buddy é interpretado por Jude Hill que entrega aqui um ótimo trabalho. A química entre ele, Ciarán Hinds e Judy Dench (que dão vida aos seus avós) é muito natural e emocionante, principalmente na forma como tratam os dramas de Buddy, fazendo pouco das situações e ao mesmo tempo fazendo com que aqueles fossem os piores problemas do mundo.

É incompreensível como a Caitriona Balfe foi ignorada pela Academia na cerimónia de 2022 dos Oscars. Balfe dá vida à mãe de Buddy e é ela quem segura verdadeiramente o argumento. É através dela que temos um senso de realidade sobre os problemas familiares e do país no geral. O que consegue fazer, com o pouco que lhe foi dado, deveria ter chegado para, pelo menos, uma nomeação. Jamie Dorman, que dá vida ao pai de Buddy, também é eficaz na sua interpretação, apesar de ser extremamente prejudicado pelo argumento, mas já lá vamos.

As melhores cenas do filme, curiosamente, passam-se dentro de uma sala de cinema. Branagh demonstra, de uma forma bem convencional, mas eficaz, o quão importante o cinema foi, não só para entreter a família, mas também para os ajudar a passar por aquele momento complicado. Temos a clássica cena da luz do projetor a passar por cima da cabeça de Buddy, as reações da família a ver Chitty Chitty, Bang Bang (1968) também são muito cativantes com o aparecimento de cores, simbolizando a força que o cinema tem para dar vida aos momentos mais obscuros. De facto, uma bonita declaração de amor à sétima arte.

O grande problema do filme está no argumento e na montagem, o que é irónico, pois Belfast ganhou o Oscar de Melhor Argumento Original. O facto de assistirmos ao filme através dos olhos do Buddy, apesar de ser uma boa forma para chamar a atenção da audiência e criar bons momentos de puro cinema, acaba por limitar, de uma forma exagerada, a história. São vários os momentos em que parece que o filme está a contar a mesma coisa e a passar pela mesma situação, o que não é mau se a intenção for criar uma sensação de quotidiano, mas acaba por ser um ponto negativo a partir do momento em que aquilo que o filme quer demonstrar é o mesmo, e os arcos secundários acabam por ser atirados para canto ou desenvolvidos de uma forma tão apressada que nem há tempo para processar tudo aquilo.

Existe também uma simplificação histórica dos eventos ocorridos, o que pode ser justificado através do facto de, mais uma vez, ser o ponto de vista de uma criança, porém, em vários momentos parece que essa visão infantil dos acontecimentos ocorre não pelo motivo já mencionado, mas devido a alguma relutância do realizador de falar sobre o elefante da sala, pois, até hoje, os conflitos na Irlanda do Norte ainda geram muita discussão.

Por vezes, o humor também não é o mais refinado e, estranhamente, não existe uma relação dos personagens principais com os vizinhos e as forças de segurança, o que faz com que aquele sentimento de comunidade seja um pouco artificial. Existem pequenos momentos de tensão que culminam num grande momento, apesar de ser uma decisão criativa questionável devido à decisão que a família toma no final do filme. Se a ideia era mostrar este final, então faria mais sentido que a realização desse mais força a esses pequenos momentos, pois são esses que vão justificar, verdadeiramente, a decisão. Concentrar as energias no último ato faz com que o final pareça apressado e injustificado.

Belfast é uma ótima carta de amor à sétima arte, com vários momentos de aquecer o coração (até daquela pessoa que faz o Grinch parecer um estagiário). Contudo, o filme vê-se impedido de atingir um outro patamar devido ao argumento que usa as simplificações que a história permite como um atalho e também devido à montagem que não consegue esconder as repetições narrativas, tornando o ritmo do filme um pouco penoso.

3.5/5
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