Não é particularmente incomum certos atores ligados à comédia – e uso a palavra “comédia” num sentido amplo o suficiente para conseguir incluir Kevin James que habitualmente tem a mesma capacidade humorística que um bloco de cimento – tentem atacar papéis dramáticos para ganharem credibilidade. Jim Carrey vem sempre à cabeça com Eternal Sunshine of the Spotless Mind, mas até Charlie Chaplin interpretou um assassino em 1947 com Monsieur Verdoux ou Adam Sandler que tem duas das suas melhores performances em Punch Drunk Love e Uncut Gems.
Becky será então o veículo para o papel que irá elevar Kevin James acima do nível do lendário Paul Blart. Seguimos a personagem titular (Lulu Wilson), uma jovem de 13 anos a tentar resgatar a sua família das mãos de um grupo Neo-Nazi, liderado por Kevin James, recém fugidos da prisão, após estes invadirem a sua casa à procura de algo que o filme nunca se dá a nenhum particular trabalho de explicar o que é ou como lá chegou.
É uma coisinha curta. São 93 minutos de violência desmedida, linguagem imprópria e angústia adolescente enquanto Becky se transforma no cruzamento entre Kevin McCallister e Ted Bundy, o que no papel, até parece uma hora e meia divertida de se ver.
Parcialmente é. Há algo maravilhoso na construção e utilização de armas brancas constituídas por lápis de cor e uma régua de 50 centímetros, ficando apenas a faltar um esquadro para transformar esta história de uma adolescente a lutar pela vida, na jornada de uma arquitecta desempregada em plena pandemia a tentar pagar as contas.
No entanto, este divertimento aparece sempre com uma aura meio desconfortável pelo meio. Primeiro, trazido pelo próprio Kevin James, que antes de abrir a boca até tem uma presença consideravelmente assustadora durante os primeiros 10 minutos, mas que assim que grunhe duas palavras imediatamente afunda-se num tão habitual ridículo que se torna automaticamente aborrecido e constrangedor no pior dos sentidos possível. O esforço hercúleo para ser levado a sério com suásticas tatuadas na cabeça, uma barba pelo peito e uma conversa sobre a supremacia dos rottweillers é de tal forma avassalador que a única coisa que consegue tirar do espectador é uma impaciência sem fim e um eventual revirar de olhos.
Em segundo, é percetível que quem está do lado de cá da câmara está a gostar demasiado da violência, seja pela gratuitidade da mesma, seja pela perspetiva em que a coloca, pois embora o filme seja aceitavelmente bem fotografado, fica aparente que está a apreciar em demasia as tripas e matéria encefálica que esta criança está a triturar, deixando a impressão que quer ser tão levado a sério que se torna rapidamente num filme que transpira infantilidade.
O que não deixa de ser uma pena. Lulu Wilson compensa plenamente a falta de carisma de Kevin James com uma energia vertiginosa que aqui e ali tende a cair para um sádico evitável, mas que na sua grande generalidade é bastante contagiante. Contudo sucumbe à falta de conteúdo emocional da qual o filme sofre, pois, todo o enredo narrativo que envolve a relação de Becky com o pai e o luto pela perda da sua mãe acaba por ser perdido entre cães raivosos, traqueias expostas e olhos pendurados, que, como disse anteriormente, não está no tom certo.
Becky acaba por ser um filme definido pelos seus problemas de identidade. Um guião que tal como a sua personagem principal não sabe muito bem o que quer ser. Uma comédia? Um thriller? Um Home Alone gone wrong? Seja o que for que quisesse ser faltou-lhe maturidade que apenas alguém com muita esperança na raça humana poderia esperar num filme com Kevin James.