Beauty (2022)

de Francisca Tinoco

Há poucas coisas mais desagradáveis do que quando um filme promete algo que depois não consegue entregar. É este o caso de Beauty, o drama intimista sobre uma futura estrela da música pop no início dos anos ’80 em Nova Jérsia, nos Estados Unidos.

Escrito por Lena Waithe e realizado por Andrew Dosunmu, este original Netflix irá certamente passar despercebido tanto no catálogo da plataforma, como no elenco de filmes relevantes de 2022. No entanto, haverá, talvez, um nicho de audiência interessado em Beauty, no qual, por sinal, se insere a autora desta crítica: os fãs de Whitney Houston.

Ainda que não oficialmente, Beauty é – para todos os espectadores que tenham algum conhecimento sobre aquela que é considerada uma das maiores cantoras de todos os tempos – uma espécie de biopic clandestina de Whitney Houston. Durante os seus 95 minutos de duração, a narrativa deste filme debruça-se sobre aquele período de limbo que acontece antes de um artista se estrear nos palcos e para as câmaras do mundo. Tenta percorrer todas as decisões, ponderações e questões que surgem na fase que antecede a transformação de uma pessoa regular, com uma vida normalíssima, num nome conhecido nos quatro cantos da Terra.

Tal como Whitney, a protagonista Beauty, interpretada pela estreante Gracie Marie Bradley, tem uma mãe que nunca conseguiu singrar como cantora (Niecy Nash), um pai ganancioso (Giancarlo Esposito) e uma secreta relação romântica com a sua melhor amiga (Aleyse Shannon). Tal como Whitney, vive na Nova Jérsia com a sua família, consome ativamente drogas e tem uma voz que só se encontra uma vez na vida.

Todos estes são temas de incrível potencial para originar uma narrativa cativante e emocional. O drama familiar deveria acrescentar uma camada pessoal ao desafio que vem com o estrelato na indústria da música; a temática LGBT+, aliada a questões raciais, poderia ter trazido uma perspetiva que ainda deixa muito a desejar neste género de filme; e as ligações a Whitney Houston só tinham por que adicionar um ar de polémica que tornaria, na teoria, o filme ainda mais apetecível. Infelizmente, nada disto se confirmou.

Em vez disso, tanto a escrita de Waithe como a realização de Dosunmu caem na tentação do cliché. Os diálogos, as relações entre as diferentes personagens, e mesmo as personagens em si, seguem moldes já muito batidos, que assumem aqui a mais oca das formas. A grande Niecy Nash consegue trazer alguma profundidade à sua personagem, mas só por pouco. Os temas estruturantes queer e da experiência negra acabam por ficar subdesenvolvidos e esmagados por intrigas mesquinhas bastante forçadas. Por tudo isto, as referências pouco ou nada subtis à vida da cantora de I Will Always Love You acabam por adquirir um ar vulgar que faz lembrar os telefilmes de baixo orçamento sobre a família real britânica, ou algo do género.

Beauty triunfa, sim, pelas escolhas ousadas que lhe dão origem, tal como a decisão de se focar numa fase de vida da artista que raramente é centralizada, ou de nunca mostrar a sua protagonista a cantar apesar de todos os elogios que a sua voz suscita. Esta última opção, tomada presumivelmente com o intuito de redirecionar os holofotes para a pessoa por detrás da voz, tem sido um dos principais alvos de críticas negativas ao filme, mas eu argumento que lhe confere uma originalidade e coragem que devem ser louvadas, uma vez que demonstram a vontade de Waithe e Dosunmu de proporcionar algo diferente e nunca antes visto dentro do mundo das biopics (um género que me costuma aborrecer tremendamente). Por outro lado, ao longo do filme são homenageadas grandes vozes negras do soul que abriram o caminho para Beauty (ou Whitney), através de clipes de atuações que passam na televisão e no gira-discos, e que são tanto mais notórias exatamente porque são as únicas vozes que ouvimos cantar.

A fotografia de Beauty é outro fator de sucesso, proporcionando momentos visualmente lindíssimos, sempre com uma aura intimista, no limite do invasivo, e uma estética expressionista que combina na perfeição com o teor psicológico da narrativa.

Com Beauty o aborrecimento não é tanto o problema, como o é a desilusão e a insatisfação. O seu potencial carrega o filme às costas e prende o espectador, na esperança de que, chegando o clímax, este finalmente se concretize. Quando tal não acontece, fica uma sensação de desgosto e de nostalgia por aquilo que Beauty poderia ter sido.

3/5
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1 comentário

Juliana Batalha 18 de Julho, 2022 - 15:37

O filme não vinga, na minha opinião. Ainda que seja um drama que nos mostra como as pessoas negras com talento eram exploradas pelas gravadoras geridas por brancos, treinadas como se fossem coisas e não pessoas. Mas falha sobre o talento de Beauty em si. Gostei muito da review.

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