O mundo é um lugar absolutamente horrível. Constantes tiroteios nas ruas, pobreza abundante, cadáveres espalhados pelo chão, propositadamente ignorados pelo egoísmo e desinteresse civil, assaltos rompantes, tentativas de suicídio incentivadas por grupos que assistem à morte de inocentes como uma audiência à procura de entretenimento e ainda um homem completamente nu, referido como Birthday Boy Stab Man, a deambular pelas avenidas, com uma faca, sedento pela sua próxima vítima a esfaquear. Noutras palavras, os Estados Unidos da América. A destruição é a moeda principal de Corrina, uma cidade onde o crime corre como uma nascente e flui pela estrada, arrastando a sua população numa intensa corrente de niilismo caótico. Neste local, reside Beau Wasserman (Joaquin Phoenix), um homem solitário que vive num estado contínuo de ansiedade. Beau tem medo. Beau tem muito medo. Beau tem todos os motivos para sentir medo. Porque o mundo é um lugar absolutamente horrível. E a sua mãe não ajuda.
Partilhando uma estranha relação freudiana e emocionalmente abusiva com a sua mãe, Mona (Patti LuPone), Beau experiencia uma pressão especial, familiar para indivíduos em similar posição, em visitar o seu Dr. Frankenstein. Numa sensação conflituosa de amor e ódio, Beau embarca numa bizarra e épica viagem, impossível de descrever sem elicitar imediata confusão nos leitores, para ver a sua mãe. Basta afirmar que, se Kafka fosse o autor de Lord of the Rings, este seria o resultado. Ou, simplesmente imaginem The 40-Year-Old Virgin (2005) através dos olhos do realizador de Hereditary (2018).
Ari Aster comprova novamente o seu estatuto como um dos melhores cineastas dos últimos anos, com uma terceira longa-metragem de humor negro doentio, preenchida com magníficas piadas visuais que recordam o melhor dos Simpsons. Desde uma quantidade surpreendente de genitais masculinos, incluindo testículos com a dimensão de um balão, até, possivelmente, dos melhores usos de rigor mortis no cinema. Beau Is Afraid é genuinamente hilariante e surrealmente assustador. Aster mergulha num caldeirão de tons conflituosos, elaborando as gargalhadas desconfortáveis e a inquietação tenebrosa que somente o artista consegue, principalmente devido à brilhante construção deste mundo e do seu protagonista.
Joaquin Phoenix e Aster demonstram-se como uma equipa de sonho; uma dupla que compreende que a comédia não funciona se a personagem estiver consciente da mesma. Phoenix entrega uma performance extraordinária capaz de evocar, em simultâneo, empatia e frustração no espectador. Em diversas cenas, existe uma necessidade de levantar do lugar e abraçar Beau, confirmando que está tudo bem; que vai ficar tudo bem, mesmo sabendo que é uma mentira. Sinceramente, um abraço ou uma chapada é a dúvida que cresce entre a tela e o assento, e cada passo em frente o ponto de interrogação aumenta. Beau é patético mas também é um ser humano que parece ter sido criado como uma piada – até o seu nascimento começa como tragédia e termina com uma punchline (ou slapline). Como se Deus utilizasse lodo na criação de Adão, existe algo profundamente errado em Beau, algo que percorre este homem desde a sua origem; aliás desde os seus pais. São elementos de destino e tragédia grega que assombram o protagonista, que o perseguem com a filosofia de uma espingarda semiautomática e as gargalhadas de Belzebu. É divertido, todavia devastador, porque compreendemos Beau. Porque conhecemos a sua mãe. Porque sentimos medo dela. Ainda que as interpretações de Patti LuPone e Zoe Lister-Jones (Mona, versão jovem) se aproximem da perfeição, até Sigmund Freud sentiria constrangimento durante um visionamento desta longa-metragem.
Apesar da minha potente paixão por Beau Is Afraid, sinto a necessidade de apontar que esta jornada apela a uma audiência minúscula disposta a entrar nesta minivan demente e aceitar a sua realidade desfragmentada. É uma realidade lógica para as pessoas que sofrem de ansiedade; um espaço onde todos os perigos, medos, possibilidades e todas as dúvidas são completamente enaltecidas. Os seus elementos técnicos estrondosos, como a majestosa direção de fotografia e os seus cenários criativos edificam o mundo de Beau e transformam-no em realidade para o público. Tudo designado como um palco, através de planos gerais e de corpo inteiro, com o seu protagonista em constante observação, prestes a ser atacado, insultado ou ridicularizado. O elenco secundário e os figurantes na vida desta personagem, compõe o surrealismo de existir; os estranhos diálogos destas figuras provocam confusão e deixam os espectadores num estado similar a Beau, sempre em suspeita, com receio e em incerteza, durante três horas. O mundo como um teatro, onde o protagonista neurótico é sujeitado a representar sem um argumento, para um estádio esgotado, e justificar as suas decisões e a sua existência.
Em cada quilómetro nesta odisseia niilista de Beau, as palavras do seu psiquiatra ecoam pela floresta da sua mente. É possível sentir emoções conflituosas, como desejar a morte de alguém, contudo, amar essa pessoa. Simultaneamente, produz-se uma das narrativas mais hilariantes do ano, como também uma das mais assustadoras. Beau Is Afraid é uma comédia de terror absurdista que encapsula perfeitamente o sentimento de viver com ansiedade. Uma realidade pesadelo que o cineasta divide em 3 secções específicas: Ansiedade no desconforto; Ansiedade no conforto e Ansiedade na Arte. Uma progressão natural para um ser que necessita desesperadamente de uma saída; alguém que precisa de se sentir verdadeiramente amado. Naturalmente, a co-dependência é essencial para sobreviver num mundo individualista – mesmo que esse anexo emocional seja responsável pela sua autodestruição. A esperança encontrada no palco do entretenimento é uma verdade inconveniente pois vive somente numa tela. Ari Aster compreende a sua essência e retrata esta com gargalhadas, entre o medo, porque é tudo o que podemos fazer num mundo absolutamente horrível.
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