Beasts Clawing at Straws (2020)

de João Iria
beasts clawing at straws

“Good artists borrow, great artists steal”.  

Esta passagem famosa sofreu transformações irónicas nas vozes de vários artistas, durante décadas. Steve Jobs, por exemplo, atribuia esta citação favorita a Pablo Picasso como o responsável; na realidade Picasso pronunciou: “Lesser artists borrow; great artists steal”, que, por sua vez, parafraseava incorretamente Igor Stravinsky. O compositor provavelmente retirou esta ideia do poeta T. S. Elliot, cujo excerto era o seguinte: “Immature poets imitate; mature poets steal”. O texto referenciava a natureza complexa da criação de arte como uma de influências e cópias, pois Elliot afirmava que o verdadeiro talento residia na capacidade de contextualizar obras com intenções pessoais, conferindo um novo significado à componente roubada.  

Seguindo a temática de assaltos, Beasts Clawing at Straws abre as portas do elevador e introduz a audiência a uma mala Louis Vuitton em circulação num estabelecimento de Spa. Um movimento de câmara fluído rastreia um desconhecido a transportar este item pelos balneários até esconder o produto dentro de um cacifo e desaparecer no fim dos créditos iniciais. O conteúdo deste dispendioso material é acidentalmente revelado por um empregado que descobre esta bolsa preenchida com dinheiro suficiente para reiniciar uma vida, arrancando, assim, o entrelace de vários estranhos dispostos a métodos perigosos para obter esta fortuna e desertar as suas situações financeiramente instáveis.  

Dividido em cinco capítulos, este thriller Sul-Coreano banhado em humor negro, violência e sangue suficiente para alimentar o Armie Hammer durante um mês (alegadamente), transfigura o desespero das personagens num jogo de moralidade com os seus participantes a pescar riquezas, usando os seus próprios corpos como isco, surpreendidos por atraírem tubarões em vez das sardinhas que aguardavam. 

A estreia de Yong-hoon Kim na realização demonstra a confiança de um storyteller com a experiência de um auteur venerado. O cineasta explora o seu enredo enigmático num tom intenso e folioso, manifestado na banda sonora rítmica e sarcasticamente charmosa e numa direção de fotografia que impede estas criaturas de camuflar no escuro das suas almas ou nos seus quartos ausentes de claridade, iluminando as façanhas destes indivíduos com as cores noturnas neon dos bares e strip clubs que os rodeiam, impondo uma sensação de conforto no Inferno. 

Kim diverte-se com representações disparatadas de protagonistas em dívidas financeiras e morais, desorientados e exasperados pelas chaves de um cacifo que pode comprar as suas respetivas liberdades, desenvolvendo um mundo repleto de caricaturas inventivas que revertem os estereótipos do cinema asiático. Neste excelente e divertido ensemble, preenchido com talento dramático, desprovido de pretensões que permite expressionismo essencial para suavizar o ambiente pesado, saliento a macabra Jeon Do-yeon que aumenta o volume de entretenimento para nível 11 ao interpretar uma mulher despojada de qualquer decência humana.  

Escondido no absurdo, descobrimos subtexto versado e astuciosamente perturbante sobre o aspeto assustador em observar familiares e amigos adaptados ao pior dos outros e deles próprios, agasalhados num casaco comprimido e restritivo ao ponto de cortar oxigénio; um traje que permanece vestido porque é o que possuem. Na normalização de abusos emocionais, físicos, pobreza e criminalidade, estas vítimas do capitalismo ou do ego defrontam oportunidades com perplexidade que causa estes sujeitos a cair em todas as armadilhas, até nas evidentemente explícitas e naquelas criadas involuntariamente pelos próprios.  

Um cheeky Neo-Noir de comédia negra que alterna naturalmente entre humor e desgraça, recordando a filmografia dos irmãos Coen, com sequências onde não seria uma surpresa encontrar um Brad Pitt escondido num armário à espera de uma bala. A comparação com os criadores de Fargo (1996) emerge espontaneamente devido ao realizador nomear o drama como uma das suas influências principais na construção do argumento. A dupla cinemática não é a única registada aqui, Beasts Clawing at Straws apresenta ligeiros toques de Hitchcock e retira principalmente do trabalho de Quentin Tarantino, arriscando-se a pertencer a uma lista de aborrecidos copy-cats do celebrado autor.  

O criador de Pulp Fiction (1994) concebeu um cinema derivado das suas experiências favoritas da sétima arte, configurando referências visuais num estilo particular que cumpre a lógica da frase icónica mencionada no início desta crítica. Kim previne um caso de The Boondock Saints (1999) ao compor uma narrativa que sobressai nestas cópias de cópias de cópias, exibindo twists e temas fascinantes acerca da cultura Sul-Coreana que distingue esta película com uma personalidade nítida. Na visualização desta longa-metragem, estas comparações são impossíveis de ignorar, contudo, o que observamos aqui é uma realização que utiliza estas inspirações cinemáticas para a produção de uma história intrigante sobre manipulação financeira e autodestruição humana.  

Neste sentido, Beasts Clawing at Straws percorre um caminho idêntico ao das suas personagens e do seu MacGuffin, elaborando uma corrente instável de fortuna e destino dentro de uma mala Louis Vuitton ensanguentada, abundante de riquezas promissoras onde Kim forja uma primeira obra cinematográfica com um trilho de pingas vermelhas que atrai atenção aos corpos do passado. Obedecendo ao texto de T. S. Elliot, o cineasta sucede em tatuar substância na pele dos seus cadáveres e formar assim uma esplendorosa pitoresca bolsa fashion vistosa e aliciante. Até dá vontade de roubar!

4.5/5
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