Battle Royale (2000)

de João Iria

O Dia da Ira. Dies Irae, um poema medieval em latim que descreve o derradeiro julgamento de almas perante o trono de Deus. A extraordinária clássica composição de Giuseppe Verdi domina esta expressão artística musical ao evocar um desgovernado inferno apocalíptico, onde seres procuram a sua salvação enterrada na poeira humana indistinguível do solo sagrado. A esperança reina a ilusão de um destino radiante, todavia a melodia recorda o desespero final. Assim irrompem os créditos iniciais do clássico de culto Japonês, BATTLE ROYALE, como um premeditado comunicado de precaução, similar a um alerta sonoro de um previsto desastre natural, para advertir a sua audiência que não existe nenhuma luz no fim deste túnel. Apenas a idade adulta.

Baseado no controverso distópico romance de 1999, com o mesmo título, de Koushun Takami, Battle Royale é uma absurda sátira situada num Japão descontente com o abundante desemprego e os crescentes atos de violência juvenil refletidos através de boicotes ao ensino escolar. A solução para esta intensa hostilidade adolescente? Um programa criado pelo governo que coloca estudantes numa ilha remota, a batalharem pela sua sobrevivência – um típico dia de ensino básico na margem sul. “A Lição de hoje é matarem-se uns aos outros. Até não sobrar nenhum.” refere o antigo professor desta turma, interpretado pelo estrondoso Takeshi Kitano, que apresenta esta realidade mortal aos desorientados jovens, incluindo o protagonista órfão, Shuya Nanahara (Tatsuya Fujiwara), que carrega o peso do abandono da sua mãe e do suicídio do seu pai, e Noriko Nakagawa (Aki Maeda), uma rapariga envergonhada e silenciosa com uma afinidade amorosa por Shuya.

Kinji Fukasaku, o cineasta, escolheu realizar este projecto incentivado por memórias da sua juventude, com 15 anos, a trabalhar numa fábrica de munições, em 1945. Sendo um dos sobreviventes dos ataques de navios de guerra da marinha dos Estados Unidos, Fukasaku foi pressionado a descartar os cadáveres dos seus colegas de escola, um momento que despoletou uma profunda raiva pelas mentiras do seu governo acerca da Segunda Guerra Mundial e, consequentemente, um ódio a adultos. Estas recordações trágicas transferem uma atmosfera satírica e niilista a esta longa-metragem, através da relação entre o processo colegial e as forças militares, com estudantes reduzidos a números e uma contagem decrescente que encara a sua sobrevivência como um simples jogo de entretenimento; um registo de propaganda entusiástico similar a um vídeo musical J-Pop, e de uma atmosfera fascista e conservadora onde o respeito é mais importante do que a vida de uma pessoa.

Ridicularizando uma nação inteira ignorante da sua hipocrisia, ao suplicar por uma sociedade de empregados submissos conectados pela estabilidade financeira do seu território enquanto restringe a sua população com o distúrbio da individualidade, encerrados numa masmorra emocionalmente solitária, isente de propósito além da saúde económica do seu país. Suficiente para provocar um bárbaro caos descontrolado numa juventude que enfrenta um futuro desolador, mentalizada a obstruir os seus prazeres e particularidades sentimentais; dormentes ao sofrimento adulto. Um governo cuja preocupação está em manter adolescentes em linha, invés de solucionar o desespero adulto, a crescente taxa de desemprego e uma sensação miserável no dia de amanhã, ou seja, uma nação que se recusa a enfrentar as origens desta natureza turbulenta, escolhendo simplesmente transportar jovens para uma ilha e deixar estes batalharem por liberdade. Encapsulado no desprezo e impaciência dos professores pelos seus estudantes, insultando a sua inteligência e personalidade, causando essa corrupção moral e uma frustração pelo sistema.

O seu aspecto satírico é assistido pelo seu sentido de humor maquiavélico e horrivelmente hilariante entre o horror e a comédia nos seus momentos macabramente chocantes, desde um tiroteio de desentendimentos absurdos que capturam a infantilidade numa cultura de rumores, desconfiança e desonestidade, até aos aplausos de Kitano, que responde à propaganda com uma seriedade burlesca, como a presenciar um concerto de uma boysband. É um universo enaltecido pela sua overdose emocional composta por carnificina e um melodrama que interrompe os cadáveres com flashbacks, a explorar as relações e os múltiplos fraquinhos esmagados entre os jovens com declarações de amor disparadas como uma metralhadora, e citações dos seus caídos colegas, que permanecem com os protagonistas como fantasmas a comunicar além da morte; um clima de excesso dramático que permite as personagens distinguirem-se num elenco com mais de 40 estudantes, através de exageros que realçam as suas personalidades e destacam estas características como memoráveis e cativantes.

“É lindo, apesar de ser onde todos morreram.”

Battle Royale é um coming-of-age macabro e completamente f****d up acerca da crueldade inerente de crescer e de ser um adulto numa colónia de formigas que incentiva individualismo. Matar todos os indivíduos que nos rodeiam, pelo nosso sucesso. No primeiro ato, uma jovem vitoriosa com um sorriso e um peluche manchado de sangue – uma metáfora para a maturidade neste mundo – marca o início de uma icónica ópera de hiper violência e melodrama ampliada por uma brutalidade musical desumana, uma ferocidade cínica e um ambiente trágico e melancólico. Nos créditos finais, um poema fatal acerca do futuro substitui a tinta por sangue.

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