“You need to know this. I ain’t no Spice Girl”.
Amy Winehouse deixou-nos cedo demais. Penso que é um facto incontestável mesmo para quem não apreciava o seu estilo musical. O seu estilo centrava-se e retirava a maior parte da inspiração do jazz mas incluía claras referências ao soul, R&B e hip-hop, muitas delas de um passado longínquo musical mas com uma modernidade bem vincada. Nunca se tinha ouvido ninguém como ela e a ascensão foi meteórica e inevitável. Infelizmente tanto talento e uma personalidade marcante acabaram por atrair demasiada atenção da imprensa, ansiosa por partilhar com o mundo, independentemente do custo, a vida de Amy, o bom, mas muitas vezes, por ser mais lucrativo, a sua vida pessoal e a sua relação com o álcool e as drogas.
Back to Black de Sam Taylor-Johnson centra-se na sua ascensão meteórica ao estrelato mundial, desde os tempos de adolescente no bairro de Southgate em Londres até à criação de “Back to Black”, um dos mais bem-sucedidos álbuns dos tempos modernos.
Esta é a sinopse que qualquer fã de Amy Winehouse gostaria de ver transposta no ecrã. Centrar-se sobre o processo criativo desta grande artista era essencial, mas tal como na vida real cedo se percebe que tal não vai acontecer. Há aqui um claro desejo de Sam Taylor-Johnson de colocar a música de Amy Winehouse como cabeça de cartaz deste “festival” mas acabam por ser os seus escândalos, os paparazzi e a sua relação intempestiva com Blake Fielder-Civil a levar a melhor. Ao escolher este caminho seria de esperar um filme duro, desconfortável e que revelasse os bastidores sombrios de uma vida conturbada mas nem com essa opção, polémica e arriscada, a realizadora se consegue comprometer. O que obtemos é um filme seguro, visualmente e no conteúdo, em que diversos episódios, cuidadosamente selecionados, são encadeados de modo consistente e polidos até pouco sobrar além do superficial. Não se aponta o dedo aos “usual suspects” da opinião pública, como Mitchell Winehouse, que poderia ter feito bem mais (basta investigar a letra de Rehab) e mesmo Blake Fielder-Civil, surge aqui em forma de mártir, um Romeu dos tempos modernos incompreendido e usado como bode expiatório de quem procurava um culpado para o sucedido na sua legião de fãs. Não é por isso de estranhar que este argumento seja aprovado pela família, Blake Fielder-Civil incluído, e por isso com uma falta de coragem tremenda de colocar o “dedo na ferida”. A única culpada parece ser a própria Amy Winehouse, como o próprio argumento de Matt Greenlagh afirma, e passo a citar, – “No one can make Amy do anything she doesn’t want to do herself”.
Inocente de tudo isto reina suprema Marisa Abela num elenco longe de memorável. As parecenças físicas não são muitas mas o excelente trabalho de reconstituição do seu guarda-roupa icónico, do trabalho de maquilhagem em todo o corpo, com uma reprodução fidedigna das suas amadas tatuagens, permite-nos pensar estar diante da própria Amy. O que nos faz realmente acreditar é a sua voz, por vezes tão aproximada da saudosa Amy, principalmente a cantar, que chega a causar arrepios na espinha. Nos momentos mais pessoais parece demasiado controlada e a sua faceta imprevisível é pouco explorada mas a sua intensidade acaba por manter o sentimento de um excelente casting. O seu coração, e a inspiração para a sua carreira, encontra eco no casting de Leslie Manville, no papel de sua avó Cynthia, sempre emocional e presente mas refém do aspecto redutor imposto ao elenco secundário pelo argumento. Irreconhecível surge Eddie Marsan, um actor de imenso talento, aqui reduzido a um mero espectador numa história que também devia ser dele. Jack O’Connell, como Blake Fielder-Civil, tem bastante mais tempo e beneficia também do excelente trabalho de caracterização (torna-se a cara-chapada do ex-marido de Amy) mas acaba como ela, sanitizado para além do tolerável.
Back to Black coloca Amy Winehouse de volta nas bocas do mundo através da visão de Sam Taylor-Johnson e as palavras de Matt Greenhalgh. Presente está a música em todo o seu esplendor, o trabalho inspirado de reconstituição de época, a caracterização magnífica de todo o elenco e a excelente interpretação de Marisa Abela mas esta versão demasiada polida e segura não parece nunca invocar quem era realmente Amy Winehouse. Pode ser o biopic pelo qual os fãs de Amy tanto esperavam mas não é o que Amy merecia.