Há quem já chame Babygirl o “Tár (2022) deste ano”, um rótulo que parece assentar bem ao estilo provocador de Halina Reijn. No seu novo thriller, a realizadora troca o humor incisivo de Bodies Bodies Bodies (Corpos, Corpos, Corpos, 2022) por uma tensão erótica sombria, que evoca o glamour decadente dos clássicos de Verhoeven e Lyne. O mundo cintilante da protagonista torna-se um palco de desejos tabu e decisões arriscadas, no qual o controlo absoluto e a submissão inesperada coexistem numa dança apaixonada e inquietante, à medida que as máscaras se desmoronam quando os limites – psicológicos e sociais – são desafiados.
Romy Mathis (Nicole Kidman) é uma mulher aparentemente no auge da sua vida. CEO de uma empresa de robótica, é admirada pela sua liderança impecável e precisão cirúrgica na redefinição da logística moderna. Entre um sofisticado apartamento na cidade e uma casa de campo imponente, Romy partilha a sua vida com o doce marido Jacob (Antonio Banderas), um encenador da Broadway, e duas filhas adolescentes. Há conforto, segurança e, não seria descabido assumir felicidade. Contudo, esta tranquilidade não passa de uma fachada – por trás dela, Romy vive num silêncio tumultuoso, dividida entre o desejo de controlar tudo e uma necessidade visceral de ser controlada.
A faísca que desencadeia a sua desejada transgressão coincide com a chegada de um jovem estagiário na empresa, Samuel (Harris Dickinson), que capta a sua atenção à entrada do edifício com um gesto de empatia (mas demonstrador de uma forte capacidade de controlo) com um cão perdido. Os seus primeiros encontros profissionais deixam entrever a força magnética que Samuel exerce sobre a sua chefe e rapidamente se transformam em algo mais. Entre conversas repletas de subtexto e olhares furtivos, torna-se claro que ele compreende um aspeto da psique de Romy que ela própria relute em admitir: o desejo de submissão e de abdicar do controlo que tanto define a sua vida.
Quando ambos finalmente cedem à tensão que paira no ar, o filme atinge o seu auge estilístico, com cenas que exploram o erotismo e o desejo de forma cinematograficamente expressiva. A realização é confiante, com uma abordagem visual que reforça o tom provocador do filme, destacando uma estética noir em ambientes faustosos e modernos, enquanto a banda sonora, com clássicos como Father Figure de George Michael e Never Tear Us Apart dos INXS, sublinha os momentos mais marcantes da narrativa, imbuindo-os de sensualidade e melancolia.
Kidman, no papel de Romy, é um grande destaque, conseguindo refletir a complexidade intrínseca da personagem, uma mulher que, embora aparenta ter tudo, vive dividida entre as aparências e a essência do seu ser. Esta dicotomia natural da personagem é capturada magistralmente pela atriz, nomeadamente nas cenas em que a sua vulnerabilidade emerge das profundezas da sua persona imaculada. Complementarmente, Dickinson, não é uma personagem concreta: ele personifica o arquétipo do desejo não expresso de Romy; é uma projeção das necessidades da protagonista em detrimento de uma personagem totalmente desenvolvida. Os dois exibem uma química inegável, quase hipnotizante, dando a sensação de que estamos perante uma dança perfeitamente coreografada, mas que, com o tempo, começa a mostrar sinais de descompasso.
O maior problema de Babygirl reside na incapacidade do guião em criar uma ligação emocional suficiente entre o público e as suas personagens. Não obstante Romy e Samuel serem duas personagens intrigantes e providas de boas atuações, o guião falha em torná-los verdadeiramente cativantes ao ponto de nos preocuparmos com os seus destinos; acompanhamos a narrativa como observadores externos, conscientes da tensão e dos conflitos, mas distantes das suas angústias e receios. Consequentemente, nos momentos culminantes, o impacto emocional esperado dilui-se, uma vez que a ausência dessa ligação essencial torna difícil sentir o peso emocional que o filme tenta alcançar.
Não obstante os seus defeitos, Babygirl é uma experiência ambiciosa e visualmente rica, que recusa quaisquer laivos de moralizações fáceis. Reijn desenvolve uma obra que reflete os limites do desejo e do controlo, enquanto o pontua com momentos sombriamente engraçados, que adicionam camadas inesperadas à palpável tensão erótica.
Babygirl é um filme que, apesar dos seus problemas, consegue entreter o público com a sua tensão provocante e estilo visual preciso e cativante. Reijn constrói um universo baseado nos jogos de sedução e nas máscaras sociais que caem quando o desejo é exposto sem pudores. No entanto, as emoções que tenta explorar acabam por se sentir mecânicas e distantes. O resultado é um filme que, ainda que cativante no imediato, deixa uma sensação de vazio no final, como se a verdadeira profundidade estivesse sempre ao alcance, mas nunca plenamente alcançada.