Aquela dor confortável
O amor é sem sombra de dúvida o tema mais dissecado em todas as vertentes artísticas seja na música, na pintura e obviamente no cinema. Há tantos e diferentes filmes sobre relacionamentos amorosos, sobre paixão, amor e traição. Só de ler estas palavras, sente-se imediatamente o bafo dos clichés a aproximar-se e faz com que duvidemos da credibilidade de mais uma história sobre tudo isto. E é por isso que vos venho falar sobre este filme.
Avec amour et acharnement é a mais recente obra da realizadora Claire Denis, que nos traz a história de um triângulo amoroso onde Sara (Juliette Binoche), uma mulher de meia-idade, é confrontada com o seu parceiro romântico, Jean (Vincent Lindon), e o respetivo melhor amigo e seu antigo amor François (Grégoire Colin).
O que faz deste filme cativante é a atitude bastante naturalista e rotineira com que decide mostrar o seu mundo. A realizadora moldou todo um ambiente familiar, acolhedor e, no entanto, intrigante o suficiente para nos manter atentos. Desde o argumento coeso e de uma afirmação realista nas suas ações e palavras, até um trabalho fotográfico, sonoro e de montagem, que nos permite dramatizar uma situação tão real, tal como nós próprios fazemos nas nossas próprias vidas, só para as adocicar um pouco mais.
No meio disto, há uma ferramenta que mais nos hipnotiza para esta representação parisiense: a câmara. Claire Denis, decide estabelecer um olhar próprio, vivo e curioso em toda a história, enquadrado e pincelado por Éric Gautier, o diretor de fotografia. Esta é uma câmara que não aparenta ser montada de propósito para captar atores, mas sim deixada à sua bela mercê para poder observar estas vidas, estas colisões, estas melancolias belas e alegres. Esta câmara somos nós. É cada um de nós sentado, de pé, a caminhar ao lado destas personagens. É o nosso olhar duvidoso, atento, cativado mas também cansado, às vezes julgador e outras apenas passivo a contemplar o fardo humano que é o amor. Esta força imensa proveniente da imagem nota-se em cada close-up arrojado e intimista, em cada rosto enquadrado de forma curiosa mas cuidadosa, mas também em cada movimento de câmara que parece adivinhar onde queremos olhar, sem medo de ser intrometido, mas com respeito suficiente pelas pessoas que nos permite espreitar.
Existe, no entanto, um fator quase inexplicável que não permite a Both Sides of the Blade (título globalizado) voar mais alto no seu alcance emocional e, por consequência, o tempo que fica na memória. Está sempre presente uma aura fria que mais parece um acrílico transparente entre o espectador e as personagens, não permitindo ao mesmo que se agarre à história como é suposto. Esta aura paira no ar durante todo o filme, dando uma textura de fragilidade ao drama que estamos a querer vivenciar. Estamos lá a observar tudo de forma natural, mas nunca faz sentir que somos também uma parte daquela bolha emocional, que podíamos ser aquelas personagens, mesmo com as suas histórias e vidas a serem tão realistas e relacionáveis. Não existe bem uma resposta para o porquê desta sensação, mas a verdade é que ela está lá, tal como não existe uma resposta certa para tudo o que o amor cria e tudo o que o amor destrói.
Talvez seja essa a beleza poética deste filme. Apesar de não se apresentar cem por cento sólida e consistente, é uma obra que se mostra digna de ser apreciada por querer apenas observar e mostrar, deixando a emoção para quem a quiser e conseguir sentir, revelando – ou não – uma frieza que pode incomodar ou contribuir para que esta obra se molde a si mesma como uma representação do amor em si: um feito imperfeito.