O cinema norueguês tem-nos brindado com verdadeiras pérolas nos últimos anos, como os filmes de Joachim Trier – especialmente The Worst Person in the World (2022) e Sick of Myself (2022), de Kristoffer Borgli. Agora, um novo nome promissor surge neste panorama com Armand, escrito e realizado por Halfdan Ullmann Tøndel – ninguém menos que neto de Ingmar Bergman e Liv Ullmann, quase uma família real do cinema europeu.
A história decorre numa escola com graves problemas de infraestruturas: o calor torna-se insuportável devido à falta de climatização e o alarme de incêndio, avariado, dispara constantemente. Mas os danos vão muito além das paredes do edifício. Acompanhamos o director, a pedagoga e uma professora enquanto tentam lidar com um alegado caso de agressão grave entre dois alunos de seis anos, Jon e Armand, através de uma reunião tensa com os pais dos envolvidos.
À primeira vista, a narrativa pode parecer simples, mas revela-se bem mais complexa que o esperado. Curiosamente, as crianças nunca aparecem em cena. O foco está nas relações entre os adultos: os pais de Jon (interpretados por Ellen Dorrit Petersen e Endre Hellestveit), a mãe de Armand, recentemente viúva, (Renate Reinsve) e os profissionais da escola (Thea Lambrechts, Øystein Røger e Vera Veljovic). À medida que o filme se desenvolve, torna-se evidente – com subtileza e inteligência – que o verdadeiro conflito reside nos próprios adultos. Desde falhas pedagógicas a traumas familiares profundos, é nas dores dos crescidos que o filme mergulha.
Armand venceu, com justiça, a prestigiada Caméra d’Or Un Certain Regard no Festival de Cannes de 2024. A cinematografia é belíssima e expressiva. Nota-se um cuidado minucioso com a textura do filme – sentimos o calor nas gotas de suor que escorrem pelos rostos das personagens e no grão visível da imagem. A composição dos planos é pensada ao detalhe, preenchendo o enquadramento com pistas subtis sobre o estado emocional das personagens. Há uma harmonia entre forma e conteúdo que reforça ainda mais o impacto da obra.
As interpretações são outro ponto alto. O elenco começa de forma contida, com emoções reprimidas e intenções não-ditas, até que tudo culmina numa explosão de dor, mágoa e necessidade de resolução. O grande destaque vai para Renate Reinsve. Já havia mostrado o seu enorme talento em The Worst Person in the World, mas aqui confirma-se como uma das actrizes mais promissoras da actualidade. Com uma entrega delicada e, ao mesmo tempo, arrebatadora, conquista por completo o ecrã.
Contudo, nem tudo funciona. A dada altura, o filme afasta-se do realismo contido que vinha a construir para enveredar por momentos de surrealismo psicológico que quebram o envolvimento do espectador. Estes segmentos não são, em si, despropositados, mas soam deslocados e excessivamente longos, afectando o ritmo de um filme que, apesar de não ultrapassar as duas horas, acaba por parecer mais extenso do que é. Fica a sensação de que o realizador não soube preencher esse tempo com cenas à altura do restante argumento.
Ainda assim, estas escolhas podem ser valiosas para espectadores que apreciem leituras mais simbólicas e sensoriais do trauma. Halfdan Ullmann Tøndel entrega uma estreia esteticamente requintada e emocionalmente complexa, demonstrando um domínio visual impressionante. É notável ver alguém iniciar a sua carreira sem tentar imitar o peso do legado familiar, mas sim dialogar com ele. Afinal, não é fácil caminhar na sombra de Ingmar Bergman – e Armand mostra que, pelo menos, Tøndel está a trilhar um caminho promissor.