Apartment 7A (2024)

de Rafael Félix

A produção da prequela de Rosemary’s Baby (1968) já remonta a 2021, com dinheiro razoável envolvido quando olhamos para os créditos e produtores executivos. Ganhou realizadora depois do sucesso em Sundance de Natalie Erika James, com Relic (2020), a prometedora e desconfortante estreia da australiana sobre a ruína trazida pelo Alzheimer a uma família de 3 mulheres. Se é para entrar em prequelas, pelo menos que seja assim.

É escusado retornarmos à incessante discussão sobre a necessidade desta ou daquela prequela ou sequela em detrimento de material original. Nesta altura do campeonato, esse discurso, do qual eu próprio sou culpado de promover, cheira tanto a Velho do Restelo que se ouvirmos com atenção conseguimos ouvir as ossadas de Luís de Camões a suspirar. É a lamentável realidade atual – apesar de esta ser profundamente exagerada e dramatizada por estes tais Velhos do Restelo – mas da qual podemos tentar tirar os positivos. Não tem havido muitos, como David Gordon Green nos provou com o seu deplorável take de The Exorcist: Believer (2023) ou com algumas das suas sequelas de Halloween, porém aqui e ali há coisas bonitas a acontecer, veja-se Evil Dead: Rise (2023) ou The First Omen (2024). Portanto, Apartment 7A, por si, podia funcionar, e era tema de interesse ver o que James faria com a prequela ao filme de Polanski, do qual, segundo diz em entrevista à Hollywood Reporter, se tentou afastar, aproximando-se, em vez disso, do romance de Ira Levin que o originou.

Seguimos assim Terry Gionoffrio (Julia Garner), uma jovem dançarina em ascensão que vê os seus sonhos adiados quando sofre uma lesão grave no pé. Meses depois, por mero acaso do destino, é acolhida pelos Castevet, um casal idoso e influente que, lentamente se vai entranhando em cada pormenor da vida de Terry, porém garantindo-lhe uma nova oportunidade de singrar como dançarina. Mas nada é de graça. Típica narrativa de monkey paw.

O argumento, como fica claro, não se afasta muito daquele que Polanski apresentou há cinco décadas: a jovem, recém-chegada a um edifício, vê os seus vizinhos cada vez mais próximos e inconvenientes, vê cada segundo da sua vida monitorizado ao pormenor por estranhos e a inevitável sensação da observação constante. Portanto efetivamente levanta-se a questão dos Velhos do Restelo: “porquê?”.

A verdade é que Apartment 7A não tem nada de novo para apresentar. Reacende os mesmos plot points, procura as mesmas sensações e trabalha sobre os mesmos temas. A única razão para a existência do filme, pelo menos a única que neste momento parece louvável, é a tentativa de retirar das mãos de um predador sexual em fuga como Polanski, a narrativa que mais nome lhe trouxe. A forma como o corpo da mulher é utilizado, abusado, monitorizado e descartado consoante as inclinações religiosas de um determinado grupo ou a vontade política de um determinado espaço social, como é o americano, são temas que parecem de mau gosto estarem associados a um nome como o do polaco à luz daquilo que sabemos hoje. Não esquecendo ainda que qualquer narrativa que atualmente se debruce sobre autodeterminação sobre o corpo feminino vai parecer um grito de revolta perante a queda da Roe vs Wade no Supremo Tribunal americano (o precedente legal que impedia os estados mais conservadores dos EUA de radicalizarem as leis do aborto). Por tudo isto Apartment 7A podia ser uma história de sucesso simbólico para James, apresentar uma narrativa, mesmo que não fosse superior, mas que tomasse pelas mãos aquilo que Polanski fez em 1968, torná-lo seu e dar-lhe a sua perspectiva.

Ao que parece, o que sucede é que o filme parece ter sido esmagado pelo seu legado, nunca se conseguindo distanciar o suficiente deste para ganhar corpo próprio, mas sem aquilo que fez Rosemary’s Baby especial. A Julia Garner pouco há a apontar, traz fragilidade e paranóia a Terry, e apesar da familiaridade da personagem, tornando-se quase uma stand-in de Mia Farrow, consegue fazê-la sua numa reta final que, novamente, pouco de novo tem, excetuando a sua protagonista transformada num estandarte da emancipação, a tomar o controlo, numa cena que faz lembrar o êxtase e a tragédia por que Mikkelsen passava em Another Round (2020). Ainda assim, tudo o que rodeia a interpretação de Garner parece sofrer limitações orçamentais que são difíceis de justificar quando Michael Bay e John Krasinski estão a produzir o filme. O edifício não ganha a vida que encontrámos nos anos 60’ provavelmente devido à pobre produção estética, em que tudo parece pálido e desinteressante, mesmo a forma como as nossas personagens são colocadas no frame. Mesmo as atuações que cercam Terry parecem sombras de personagens que já vimos várias vezes no passado. Se Relic tinha conceitos visuais vibrantes e memoráveis, Apartment 7A raramente se distingue de um qualquer outro filme do mesmo género que estreie numa qualquer plataforma de streaming sem particular alarido (a ausência de burburinho sobre a estreia de Apartment 7A parece também ser sinal da falta de crença no que tinha sido filmado).

Fica uma tentativa louvável mas banal de reviver um dos melhores e mais influentes filmes de sempre pelas mãos de uma realizadora tão cheia de promessa como Natalie Erika James. É possível que seja injusto exigir a um filme que seja uma bandeira, especialmente um filme proveniente do sistema de estúdio, todavia é impossível não ver aqui uma oportunidade desperdiçada. Infelizmente, a falta de identidade própria de Apartment 7A dá aqui mais um argumento aos “Velhos do Restelo” que, por chatos que sejam, de vez em quando têm alguma razão.

2/5
0 comentário
1

Related News

Deixa Um Comentário