Anyone But You (2023)

de João Iria

Romcoms are back, baby! Após ser expulso dos cinemas para os diminutos ecrãs dos serviços de streaming online, desvanecendo num buraco negro de conteúdo que retirava o seu encanto, a sua relevância e o seu profundo impacto na sétima arte, a comédia romântica regressa aos grandiosos espaços das salas de cinema, disposta a fornecer um ambiente adoravelmente previsível e prazeroso com gargalhadas, mal-entendidos, química ardente e um happy ending digno de estabelecer carreiras e transformar os seus atores em estrelas, avistado em Julia Roberts, Matthew McConaughey e Adam Sandler. Raios, até Tom Cruise marcou inicialmente a sua presença numa estranha comédia romântica, Risky Business (1983). Inegável o valor das romcoms neste ambiente artístico audiovisual, sendo um espaço apto para produções de orçamentos estáveis com a possibilidade de criar estrondosos sucessos de bilheteiras. Ainda assim, similar ao género do terror, este aspecto comercial nunca impede a sua habilidade artística, capaz de comunicar histórias, conceitos e ideias acerca de amor, relações e humanidade, com uma perspectiva superior a diversos dramas oscarizados. Para o público, a romcom fornece um escape da realidade ou até mesmo esperança nessa realidade.

Anyone But You está intensamente desinteressado nessa realidade além do ecrã; aliás, esta obra demonstra-se desinteressada na sua própria realidade dentro da tela. Pelo menos não de uma forma tradicional que obedece às regras determinadas por este celebrado e apaixonado género. O seu enredo é uma piada que adota com carinho, como um casal que sente a necessidade de referenciar que a sua relação assemelha-se a uma comédia romântica, entre gargalhadas. Irritante para algumas pessoas, para outras sobressaem como contos agradáveis. Inspirado na comédia de Shakespeare, Much Ado About Nothing, uma peça sobre sobre intrigas, rumores e segredos, criada no Século 16, esta longa-metragem do realizador e co-argumentista, Will Gluck, explora similares temáticas com dois protagonistas que, ao serem convidados para um casamento, decidem fingir ser um casal para apaziguarem as suas famílias e conquistarem as suas respectivas antigas paixões.

Bea (Sydney Sweeney), uma mulher desencaminhada da sua possível carreira como advogada, perdida e à procura de descobrir a sua pessoa e os seus desejos, é acompanhada por Ben (Glen Powell), um fuckboy que trabalha na Goldman Sachs como investidor – Porquê? Porque estas personagens precisam de dinheiro fácil e liberdade suficiente dos seus empregos para poderem viajar para a Austrália e participarem em todas as atividades confortáveis e engenhosas deste casamento –. Entrelaçados num mar de farsas ridículas, este “improvável” par que envolve dois indivíduos estrondosamente atraentes, com corpos invejáveis, esforça-se por esconder o seu ódio um pelo outro e criar uma ilusão de amor. “Oh não, vou ter de fingir que estou apaixonado pela Sydney Sweeney/Glen Powell? Impossível!”.

Podem abandonar a lógica imediatamente antes dos créditos iniciais pois através de façanhas claramente óbvias orquestradas pelo elenco secundário como pela equipa criativa responsável por esta narrativa, a audiência depara-se com os truques habituais do género e uma atitude self aware despretensiosa e refrescante, que pretende divertir-se com a sua própria teatralidade narrativa, colocando no seu palco um ambiente de overacting, coincidências abundantes, decisões e ideias incoerentes designadas somente para avançar o romance desta dupla e personagens que tropeçam constantemente em acidentes infortúnios que apenas requerem uma explicação verbal e maturidade. No entanto, qual seria a piada disso? Sweeney e Powell atiram-se para as luzes da ribalta, com um six-pack efervescente em óleo de coco e um bikini eufórico que salienta curvas e lombas nas calças. Anyone But You está completamente consciente que estes atores possuem um charme equivalente à sua beleza, mergulhando nesta sensualidade com diversas desculpas esfarrapadas e divertidas, justamente por serem completamente forçadas, para despir este casal das suas roupas e desfrutar da sua química animada.

Existe uma ténue tentativa de atribuir uma componente cinemática a esta história, espalhando citações da peça de Shakespeare pelos seus atos, sinalizando a sua influência e confirmando o seu espirito dramático ciente da sua atmosfera comicamente aparatosa. Todavia, em termos visuais, Gluck permanece numa zona de conforto desleixada. A sua apresentação reconfortante é invadida por uma edição desproporcionalmente caótica que evita planos gerais ou de corpo inteiro onde as personagens podem simplesmente conviver e existir mutuamente, optando, invés, pelos típicos planos próximos meio improvisados e insistentes cortes disruptivos. Ainda que a sua direção encoste-se na “simplicidade” do género, estes componentes permanecem importantes numa produção. As clássicas romcoms são obras técnicas de louvar. As consequências deste comodismo mancham o seu argumento com uma frustração ocasional, principalmente na sua narrativa que balança constantemente entre o pitoresco charmoso e a confusão silenciosa – personagens partilham repetidamente: “Nunca contei isto a ninguém” sem conseguirem convencer o público desta realidade; uma realidade contaminada com uma motivação ilógica, provocada precisamente pela sua realização que deseja divertir-se com a sua audiência, além da tela, consciente da sua premissa ridícula enquanto procura suceder num happy ending emocionalmente impactante. Como os seus protagonistas, é um filme em conflito consigo próprio. Apesar do seu amor, alegria e paixão pelo género, falta honestidade a Anyone But You.

Essencial indicar que esta longa-metragem não assinala inteiramente o regresso das romcoms ao cinema pois obras como No Hard Feelings (2023) e Ticket to Paradise (2022)destacaram-se com uma recepção crítica minimamente positiva nas grandes salas. Contudo, as suas ligeiras dificuldades nas bilheteiras surpreenderam precisamente por recordamos um passado onde o seu sucesso financeiro seria praticamente garantido. Neste sentido, Anyone But You é um triunfo a celebrar, ultrapassando esta barreira e comprovando que qualidade prospera como uma maratona nas bilheteiras, nunca como uma corrida. Apesar da sua estrutura atribulada, destes sentimentos conflituosos que refletem-se numa conclusão agridoce e na esperança de uma composição narrativa mais apurada, sincera e divertida, Anyone But You comprova a longevidade artística deste género, nas suas referências às palavras de Shakespeare, e sucede através das suas brincadeiras espalhafatosas e do puro talento, carisma e química entre Powell e Sweeney. Uma reação possivelmente superficial ocorre na sua conclusão previsível com a frase: “É giro.” mas é fundamental apontar que mesmo sem conseguir abstrair a sua audiência da realidade ou enaltecer esperança nesta mesma realidade, quando a música pop atinge os créditos finais, um sorriso esboça no rosto e o público acompanha o elenco no seu divertimento musical, assobiando, trauteando e seguindo o ritmo da canção. É mais forte do que eu. Que se lixe. 

No one else can feel it for you

Only you can let it in

No one else, no one else

Can speak the words on your lips

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Immaculate (2024) - Fio Condutor 13 de Abril, 2024 - 07:33

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