“During the film you are about to see, you will be subject to subliminal messages and mild hypnosis. This will cause you no physical harm or lasting effect, but if for any reason you lose control or feel that your mind is leaving your body — leave the auditorium immediately.”
José Juan Bigas Luna, cineasta e argumentista espanhol justificadamente famoso e predominantemente conhecido pelo seu trabalho no género erótico – Jámon Jámon (1992) ou Huevos de Oro (1993) –, escreveu e realizou Anguish (AKA Angustia), um filme obscuro dos anos 80’ que pouco ou nada diz àqueles fora dos circuitos de terror. Relativamente bem recebido aquando do seu lançamento, foi ganhando ao longo dos anos um nicho de seguidores e, consequentemente, o estatuto de filme de culto. Longe das tetas metafóricas e literais, Bigas Luna evidencia também aqui a mestria na criação de um terror bastante engenhoso com múltiplas camadas de bizarria e inquietação, violência e gore.
Anguish começa como uma quase-paródia aos filmes de serial killers. John (Michael Lerner), é um desajeitado e miserável optometrista, que tem um relacionamento excepcionalmente doentio com a sua mãe, Alice (Zelda Rubinstein). Quando uma paciente insatisfeita com as suas lentes de contacto insulta o profissionalismo de John e salienta a sua falta de cuidado, o “menino da mamã” é rapidamente despedido do seu trabalho na clínica. Simultaneamente, Alice, que está estranhamente conectada com o seu filho, consegue ouvir tudo aquilo que está a acontecer através de uma concha gigante que coloca no ouvido – sim, uma concha. Aguentem estimados leitores. Esta peculiar mulher, usa uma forma de hipnose para fundir a sua mente à do seu filho, para que tenham a merecida vingança: John, enquanto age sob o controlo telepático da sua autoritária mãe, parte numa missão para assassinar e arrancar os olhos do maior número de pessoas possível.
A partir daqui, Bigas Luna tira-nos o tapete debaixo dos pés. Dizer mais do que isso seria revelar o conceito central e a melhor surpresa que o filme tem. O que se pode dizer é que Anguish funciona. É extremamente corajoso na sua abordagem, as sequências de gore são bem executadas e consegue desconstruir a mecânica dos filmes de suspense, sem sacrificar o próprio suspense. É um bom exemplo de um realizador que se aventurou para fora da sua caixa, para o género do terror, com o objectivo de ter mais espaço para esticar os seus músculos cinemáticos.
Com uma cinematografia e um argumento únicos, Anguish é um slasher singular. Luna bombardeia-nos com pombos, globos oculares a serem arrancados, zooms de câmara giratórios, caracóis e espirais hipnóticas. É uma trip psicadélica que nunca se leva demasiado a sério. Estilisticamente e visualmente é aguçado, assombroso e ligeiramente nojento. Em termos de tom é consistentemente assustador. A sonoplastia e banda sonora são hipnotizantes, como se estivéssemos também sob o controlo da mamã Alice. Como complemento, as suas referências – como os seus pássaros hitchcockianos, a figura do filho psicopata e da sua mãe controladora, assim como as suas evocações baseadas no corte do olho do clássico surrealista de Dali e Buñuel Un Chien Andalou (1929) – constroem pavor magistralmente, encharcando cada momento com estranheza.
Apesar de saborear as suas mortes e os seus arrancares de olhos, há algo que o distingue daquilo que é oferecido pelos filmes standard de terror/thriller dos anos 80’. É mais inventivo que as narrativas directas comuns e tem um nível de sofisticação elevado, que se vai desenrolando ao longo do tempo. Os twists e a própria experiência horripilante de o visualizar tornam-no mais envolvente de certa forma. Anguish surpreende e, claro, choca, como qualquer filme de terror dos anos 80’ deveria fazer.
Mesclando a linha entre a realidade e o mundo da fantasia do cinema, a cada curva o filme torna-se cada vez mais complexo. Bigas Luna sugere que a audiência e ele próprio (como realizador) são cúmplices da carnificina que acontece em tela. É importante lembrar que foi produzido numa altura em que existia um certo pânico mundial sobre a influência que filmes poderiam ter sob as pessoas, se o facto de se assistir a filmes violentos poderia ter consequências nos seus actos e pensamentos, se haveria a possibilidade de se tornarem violentas elas próprias. São filmes como Anguish que mexem com o nosso cérebro, que nos forçam a examinar a nossa própria experiência de ver cinema, uma vez que vai directo ao cerne da natureza humana e o seu desejo em ver filmes de terror, com todas as emoções que isso acarreta. O plot twist, a estrutura narrativa e o simbolismo dos olhos reforçam precisamente estas questões e transmitem na perfeição o seu comentário social sobre aquilo que consumimos e o que é que isso diz sobre nós.
Anguish é um filme de terror inteligente, com performances que apesar de não serem perfeitas encaixam adequadamente, efeitos especiais realistas e um trabalho de câmara exímio, que desafiam o seu pequeno orçamento. Um filme relativamente desconhecido, por um realizador pouco familiar para muitos, Anguish merece uma maior audiência. Beneficia e ganha camadas extra se for visto no grande ecrã, mas não perde a sua genialidade se for visto de outra forma. Bigas Luna criou um dos melhores, e mais originais, slashers dos anos 80’, e ninguém sabe.