Realizado por Shaunak Sen, este documentário da HBO leva-nos à capital da Índia, Nova Deli, uma das cidades mais populosas no mundo, onde dois irmãos, Mohammad Saud e Nadeem Shehzad, e um ajudante, Salik Rehman, gerem um hospital dedicado ao resgate de aves, nomeadamente, o Milhafre-preto, um animal essencial para o ecossistema da região, mas que sofre com a qualidade do ar.
Visualmente, o documentário é para lá de rico. Cheio de dualidades, conseguindo captar tanto a beleza como a eminente turbulência de uma cidade claustrofóbica. O plano inicial, que se foca num Milhafre a voar, consegue hipnotizar a audiência enquanto cria uma sensação de presságio, como se tratasse da calmaria antes da tempestade. E que tempestade!
O filme, inteligentemente, cria uma alegoria entre as relações familiares dos nossos protagonistas, com a relação que têm com as aves e, por sua vez, a relação que as aves têm com a cidade e, assim, a situação política e social de Nova Deli. A cada dia que passa mais aves vão caindo dos céus da capital indiana, sufocadas por um ar tóxico, que parece se transpor para o dia a dia, enquanto a cidade mergulha numa onda de violência e divisão devido à situação económica e social apoiadas sempre pelo já famoso ódio religioso – duas palavras que colocadas juntas tem tanto de historicamente sentido, como filosoficamente de ironia.
O documentário revela uma cidade que se recusa a adaptar-se às circunstâncias atuais, e se recusa a resguardar aqueles que se adaptam a ela. É tragicamente poético que o Milhafre seja conhecido como uma forma de receber o “thawab” que seria uma espécie de recompensa religiosa, pois, segundo a crença, estas aves teriam a capacidade de comer as dificuldades daqueles que as alimentam. Numa cidade cuja toxicidade aumenta, parece que com o tempo e com a crescente de aves a caírem dos céus, aqueles que conseguem passar pelas adversidades são as pessoas que as tentam salvar, enquanto as redondezas desmoronam. Só falta saber se haverá aves suficientes para proteger de um gigante colapso, ou se eventualmente a cidade vai conseguir se livrar daquela nuvem tóxica e finalmente adaptar-se e arranjar novas formas de coexistir consigo mesma.
All That Breathes é uma narrativa bastante contemplativa, o que funciona para dar carga dramática a certas cenas, mas para além de se estender mais do que devia, em alguns momentos parece que a história sente sérias dificuldades em avançar o que pode tornar a hora e meia de duração um pouco maçante.
Ainda assim, permanece um bonito e trágico documentário que passa por questões ambientais, políticas e sociais de uma Índia em transformação. Um filme que no fundo é sobre pessoas que procuram viver o seu dia a dia, mas que acima de tudo compreendem o seu lugar no mundo e percebem que existe espaço que pode e deve ser partilhado com o diferente.