After Love (2022)

de Pedro Ginja

Há uma frase que fica connosco muito tempo depois de After Love terminar “In the end we all break the rules we set for ourselves…”, porque é dita com uma sinceridade tocante por Geneviève (Nathalie Richard). Mas a verdadeira razão porque ecoa e se mantêm na memória é o facto de ser uma verdade universal nos relacionamentos e nos limites que pomos a nós próprios. Quanto mais amas, mais suportas?

After Love tenta responder a esta dúvida, também universal sobre os limites do amor, acompanhando Mary Hussain (Joanna Scanlan) que vive em Dover com o seu marido Ahmed (Nasser Mermazia). Após a sua morte repentina, e durante o processo de luto difícil, descobre a vida dupla que Ahmed vivia do outro lado do canal da Mancha em Calais, com Geneviève e decide partir para a confrontar e finalmente encontrar a paz que deseja. O que encontra não é o esperado mas é transformador.

Não poderia haver estreia mais auspiciosa para Aleem Khan na sua primeira longa-metragem, e não é exagero começar esta crítica com essa frase tão poderosa devido ao exímio domínio da realidade apresentada e da sensibilidade com que trata todos os que se cruzam connosco na grande tela. Sem dúvida a vivência pessoal é marcante no tema escolhido da religião, na pele de Mary Hussain, uma improvável esposa de um muçulmano, devota e convertida a uma nova realidade por amor. Nos tempos que vivemos isto é duplamente relevante porque abre o espectro da religião e a discussão sobre o que significa ser muçulmano. No filme são constantes estas pequenas nuances que tornam as discussões sobre os temas ainda mais relevantes e com impacto em como vemos o filme. Recordo-me de “rachas” a surgirem nas paredes como metáfora de Mary, que vê a sua vida a desmoronar à frente dos seus olhos sem nada poder fazer, e os próprios Penhascos Brancos de Dover entram em colapso e servem de sinal ao que aí vem: de que não vai sobrar pedra sobre pedra no que era a sua vida.

Seria fácil para Joanna Scanlan ter optado por uma interpretação vistosa a puxar à lágrima e ao sentimentalismo oco ou mesmo à raiva, mas a escolha pela contenção e o silêncio na representação do luto demonstra a profunda sensibilidade tanto de Scanlan (justa vencedora do BAFTA de Melhor Actriz), em que é sempre o olhar que revela o que sente, como do argumento de Khan, perfeito na maneira como vai descascando e revelando, aos poucos, os vários estágios do luto de Mary. Esse bonito “estudo” de como se vive o luto é mesmo uma lição de como é fundamental para nos encontrarmos como pessoas, na nova realidade, após uma grande perda.

Mas Scanlan não está sozinha e as interpretações de Nathalie Richard e Talid Ariss, nos papéis de Geneviève e Solomon respectivamente, são complementares mas únicas por si só. Geneviève desespera por uma conexão com o filho e ao mesmo tempo quer protegê-lo da vida dupla do pai, revelando uma impotência nos gestos, suspiros e tentativas frustradas de diálogo com o filho. Solomon, por outro lado, com um borbulhar de raiva própria da adolescência, e de uma realidade que esconde da mãe, consegue transmitir a angústia que o guia a procurar uma saída para a vida que tem. O último actor secundário é o mar, omnipresente tanto visualmente como na sonoridade, inclusivamente na banda sonora com referências a barcos, gaivotas, faróis. Enquanto no início do filme actua como divisor e obstáculo ao luto de Mary termina como metáfora da transformação, purificação e paz que tanto anseia por ter.  Mais do que o destino final é a viagem que transforma Mary, e a nós com ela.

Conseguir fazer tudo isto em apenas 1h29m é tocante e revela ao mundo um novo grande talento vindo de terras britânicas. Com o risco de soar repetitivo, tal a qualidade dos filmes que visionei este ano, estamos perante uma obra-prima, talvez não no plano técnico (não deixando de ter uma identidade visual bem marcada) mas um sim absoluto no plano emocional, sensorial e de como fica na mente, muito tempo após termos saído da sala de cinema. Aleem Khan chegou e veio para ficar.

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