Há uma frase que fica connosco muito tempo depois de After Love terminar “In the end we all break the rules we set for ourselves…”, porque é dita com uma sinceridade tocante por Geneviève (Nathalie Richard). Mas a verdadeira razão porque ecoa e se mantêm na memória é o facto de ser uma verdade universal nos relacionamentos e nos limites que pomos a nós próprios. Quanto mais amas, mais suportas?
After Love tenta responder a esta dúvida, também universal sobre os limites do amor, acompanhando Mary Hussain (Joanna Scanlan) que vive em Dover com o seu marido Ahmed (Nasser Mermazia). Após a sua morte repentina, e durante o processo de luto difícil, descobre a vida dupla que Ahmed vivia do outro lado do canal da Mancha em Calais, com Geneviève e decide partir para a confrontar e finalmente encontrar a paz que deseja. O que encontra não é o esperado mas é transformador.
Não poderia haver estreia mais auspiciosa para Aleem Khan na sua primeira longa-metragem, e não é exagero começar esta crítica com essa frase tão poderosa devido ao exímio domínio da realidade apresentada e da sensibilidade com que trata todos os que se cruzam connosco na grande tela. Sem dúvida a vivência pessoal é marcante no tema escolhido da religião, na pele de Mary Hussain, uma improvável esposa de um muçulmano, devota e convertida a uma nova realidade por amor. Nos tempos que vivemos isto é duplamente relevante porque abre o espectro da religião e a discussão sobre o que significa ser muçulmano. No filme são constantes estas pequenas nuances que tornam as discussões sobre os temas ainda mais relevantes e com impacto em como vemos o filme. Recordo-me de “rachas” a surgirem nas paredes como metáfora de Mary, que vê a sua vida a desmoronar à frente dos seus olhos sem nada poder fazer, e os próprios Penhascos Brancos de Dover entram em colapso e servem de sinal ao que aí vem: de que não vai sobrar pedra sobre pedra no que era a sua vida.
Seria fácil para Joanna Scanlan ter optado por uma interpretação vistosa a puxar à lágrima e ao sentimentalismo oco ou mesmo à raiva, mas a escolha pela contenção e o silêncio na representação do luto demonstra a profunda sensibilidade tanto de Scanlan (justa vencedora do BAFTA de Melhor Actriz), em que é sempre o olhar que revela o que sente, como do argumento de Khan, perfeito na maneira como vai descascando e revelando, aos poucos, os vários estágios do luto de Mary. Esse bonito “estudo” de como se vive o luto é mesmo uma lição de como é fundamental para nos encontrarmos como pessoas, na nova realidade, após uma grande perda.
Mas Scanlan não está sozinha e as interpretações de Nathalie Richard e Talid Ariss, nos papéis de Geneviève e Solomon respectivamente, são complementares mas únicas por si só. Geneviève desespera por uma conexão com o filho e ao mesmo tempo quer protegê-lo da vida dupla do pai, revelando uma impotência nos gestos, suspiros e tentativas frustradas de diálogo com o filho. Solomon, por outro lado, com um borbulhar de raiva própria da adolescência, e de uma realidade que esconde da mãe, consegue transmitir a angústia que o guia a procurar uma saída para a vida que tem. O último actor secundário é o mar, omnipresente tanto visualmente como na sonoridade, inclusivamente na banda sonora com referências a barcos, gaivotas, faróis. Enquanto no início do filme actua como divisor e obstáculo ao luto de Mary termina como metáfora da transformação, purificação e paz que tanto anseia por ter. Mais do que o destino final é a viagem que transforma Mary, e a nós com ela.
Conseguir fazer tudo isto em apenas 1h29m é tocante e revela ao mundo um novo grande talento vindo de terras britânicas. Com o risco de soar repetitivo, tal a qualidade dos filmes que visionei este ano, estamos perante uma obra-prima, talvez não no plano técnico (não deixando de ter uma identidade visual bem marcada) mas um sim absoluto no plano emocional, sensorial e de como fica na mente, muito tempo após termos saído da sala de cinema. Aleem Khan chegou e veio para ficar.