Como lidamos com a perda? É isso que o ultimo filme de Mathieu Amalric tenta responder nesta sua 8ª longa-metragem – Serre Moi Fort – adaptado da peça de teatro Je Reviens de Loin (2003) de Claudine Galea sobre a separação de uma família, que curiosamente nunca foi produzida para o palco. Através de conversas entre Amalric e Galea ambos transformam a linguagem teatral noutra mais adaptada ao meio cinematográfico com a adição de uma narração, na voz de Vicky Krieps. As filmagens começam em maio de 2019, nos Pirenéus e terminam em Janeiro de 2020, repartidas por várias localizações. Em pleno período de edição a pandemia COVID-19 ataca, o que leva ao adiamento da finalização do filme, terminando apenas em maio de 2020. A estreia mundial acontece em França no festival de Cannes em Julho de 2021 e só agora chega a terras lusas para estrear em sala, após a passagem pelo LEFFEST em Novembro de 2021. Uma longa travessia comum a muitos filmes pós-pandemia.
Clarisse (Vicky Krieps) inicia o filme a deixar a casa de família, que partilha com o marido e dois filhos, sem avisar para onde vai. Não sabemos a razão ou evento que despoletou esta reação de Clarisse ou se foi um processo longo de desgaste, comum a qualquer relação. O que é mostrado no ecrã são as consequências dessa separação e os mecanismos associados à perda e dos subterfúgios que usamos para aliviar ou esconder a dor. Tudo isto é importado da peça teatral de Galea, em que o tempo deixa de ser linear e saltita entre o presente, o passado e o futuro deixando-nos sem chão e sem saber realmente o que é verdade, mentira ou construído na mente de Clarisse para aliviar a culpa. O próprio significado de culpa é posto em causa com o uso de narração, diálogos interiores e rumores que surgem amiúde durante a projeção e deixam-nos a tentar adivinhar se a nossa primeira impressão estava errada. E não é só com o tempo que Amalric e Galea “brincam”, mas também com o espaço, saltitando entre o mar, a montanha, o carro, em casa ou num dos muitos recitais de música do filme, colocando no espectador uma necessidade constante de atenção para não perder o fio à meada.
Ao comando do filme, a atriz principal Vicky Krieps, no papel de Clarisse, é a mente e o coração do filme. A imersão na personagem é total e o argumento de Amalric permite a construção de alguém real, com os seus defeitos e qualidades, e com quem nos identificamos. Com tamanha presença é muito difícil mais alguém sobressair, mas todos os atores secundários têm o seu papel bem definido e espaço para brilhar. Quem também brilha a grande altura é a música, mais precisamente o seu inteligente uso ao longo do filme, bem patente logo desde o início com o uso de Fur Elise de Beethoven, em que a própria partitura e a sua posição no décor servem de marcador temporal. No carro, a música é usada como escape da realidade e descompressão da intensidade no ecrã, com um karaoke improvisado de Clarisse enviando mensagens subliminares. Os próprios limites do que se ouve e do que é tocado no piano, é usado como arma de arremesso para criar a confusão e a dúvida.
Quando a resolução chega, Abraça-me Com Força não se contém e é devastador na sua intensidade, fruto de toda a tensão e dúvida acumulada. Vemos em Clarisse a lenta realização da verdade e de como a cura só é possível quando se torna real na nossa mente. Amalric com o seu argumento labiríntico, mas fascinante, consegue transportar o espectador com Clarisse nesta louca viagem a bom porto. No final, apenas o som do piano e a certeza de estarmos perante o primeiro grande filme do ano.