Sadie. Eis a protagonista de A Vigilante, uma mulher que sobreviveu à violência que sofreu às mãos do ex-marido, Michael (Morgan Spector). Interpretada por Olivia Wilde, o filme apresenta-nos então a sua história: Sadie, após se conseguir erguer perante as vivências traumáticas da violência doméstica, decide tornar-se uma “vigilante”, isto é, ajudar outras mulheres que são diariamente violentadas pelos seus maridos. Tamanha decisão requereu meses intensivos e dolorosos de treino do corpo e da mente. Mas, esta preparação visou também um outro objetivo, esse por sinal derradeiro: o de matar aquele que quase a matou. Porém, antes de conseguir avançar com a sua vingança em pleno ela terá de se confrontar com o seu passado.
O principal aspeto que ressalta desta obra é, de facto, a prestação de Olivia Wilde, que é de uma entrega e coragem verdadeiramente arrebatadoras. Fica uma imensa vontade de ver a atriz mais presente nos ecrãs.
O ritmo do enredo é impecável, especialmente por ser estável, algo difícil de materializar particularmente num thriller psicológico, como é o caso, em que com cada potencial passo dado em falso corre-se o risco de perder o espectador para sempre. Quase como que “acometida” pelas cores frias, nomeadamente o cinzento e o azul que praticamente dominam todas as cenas, a narrativa transporta-nos para uma retaliação suprema onde o suspense e a raiva marcam cada passada que é dada pela personagem.
Não há muitas falas em A Vigilante, mas as existentes servem perfeitamente o seu propósito: ilustrar a história de vida da protagonista e, por sua vez, explanar a sua desforra – pois ambas estão interligadas. É, antes, no silêncio das imagens, num silêncio um tanto sombrio, mas necessário, que a longa-metragem dá frutos, alcançando um carácter um tanto ímpar.
A banda sonora, da autoria de Danny Bensi e Saunder Jurriaans, suscita em nós inquietação e até um certo receio, sensações às quais não conseguimos escapar. Todavia, esta música que nos guia, digamos, nunca é demasiado premonitória, dado que há um plotwist em particular que (ainda) nos consegue deixar sem fôlego.
Há também que dizer que A Vigilante é a estreia na realização de Sarah Daggar-Nickson, o que é impressionante dada a pujança com que a história é contada, pois, além do vigor que tem per se, é a realização que a distingue, tornando-a num verdadeiro grito de revolta das/para as vítimas de violência doméstica. O argumento já foi visto, mas não desta forma e que melhor elogio existe para uma realizadora emergente que não este? Verdade seja dita: com este filme, Daggar-Nickson parece tudo menos novata nestas andanças.
Num ano em que o caso de Gisèle Pelicot escandalizou o mundo; em que a atleta olímpica Rebecca Cheptegei foi queimada viva pelo namorado; em que, enfim, os assassinatos de mulheres aumentaram em Portugal, tendo sido ademais revelado que a casa, o seio familiar é o local mais perigoso para as mulheres, segundo o relatório global do femicídio, – tal como as situações previamente indicadas nos demonstram, infelizmente – filmes como A Vigilante são cada vez mais urgentes e atuais.
Numa sociedade que tem falhado constantemente e incessantemente na proteção das mulheres e na educação masculina, A Vigilante mostra-nos bem as fissuras profundamente abertas que essas falhas lhes/nos deixam, revelando que, mais do que as fendas criadas que as/nos afetam quotidianamente, a primordial preocupação da comunidade deveria estar na valorização e resposta aos nossos testemunhos, às nossas palavras.
A violência não deve ser a resposta para nada e a longa-metragem não a justifica de forma alguma. Não obstante, também não a mostra como algo fortuito. Quem seríamos nós para a considerar gratuita neste contexto? A violência por si nunca é explícita e ganha-se muito com esta escolha, visto que no rosto de Sadie e no suprarreferido silêncio já vemos tudo: a dor, o luto, a contrição, a agonia. A Vigilante é um filme feminista de visualização imperativa pelo retrato que faz de uma realidade lamentavelmente cada vez mais presente.