À Plein Temps (2022)

de Pedro Ginja

A França é um país onde a luta de classes e as constantes revoluções populares fazem parte do seu ADN. Desde a formação da república no ano de 1789, fruto da insatisfação popular perante os excessos da realeza, até à famosa revolução social de 1968, fruto da revolta estudantil contra o modelo escolar e a sociedade capitalista vigente. Estas serão porventura as mais conhecidas mas nunca, em algum momento da história, os franceses deixaram de lutar pelos seus direitos. Atualmente, o racismo, a perda de qualidade de vida ou perda de direitos do trabalhador contribuem para uma constante tensão na sociedade francesa com manifestações constantes de desagrado e greves em busca de melhores condições de vida.

É neste ambiente tenso que encontramos este À Plein Temps de Éric Gravel. O centro da história é Julie (Laure Calamy), mãe divorciada a viver nos arredores de Paris com os seus dois filhos. A sobreviver de ordenado em ordenado, logo se percebe a luta diária de Julie sem suporte ou ajuda familiar, seja pela ausência de um parceiro ou pela distância da mãe.

Desde o início que o argumento procura a proximidade com o espectador ao entrar na intimidade do sono de Julie: a sua respiração ofegante e o plano de pormenor dos olhos leva-nos até bem perto da sua realidade. O silêncio é uma comodidade inexistente para esta personagem, logo interrompido pelo barulho do despertador. Nem no sono parece haver paz ou um momento de descanso. As rotinas diárias surgem perante o nosso olhar e a cada momento percebemos o quão sozinha se encontra. O ambiente social e as constantes greves de transportes multiplicam as tensões e dificultam, num crescente de tensão avassalador, a sua vida ao máximo. Nota-se, também, a capacidade lutadora e a constante busca de uma vida melhor seja através de um novo trabalho, a busca de um novo amor ou na preparação de uma festa de aniversário para o filho mais novo.

Toda esta tensão, resiliência e capacidade de nos prender a atenção está nos ombros de uma mulher de nome Laure Calamy. Domina o filme em todos os seus frames numa interpretação assombrosa, em que as suas qualidades e defeitos adquirem uma igual importância na narrativa. O lento cair numa espiral negativa é particularmente difícil de assistir, mas graças a Calamy nunca por um instante deixamos de torcer pela sua felicidade.

À Plein Temps é um belo retrato de realismo social, com uma realização tensa e um argumento escorreito de Éric Gravel. Detém um inspirado trabalho de fotografia com movimentos de câmara fluidos de Victor Seguin, uma edição frenética de Mathilde von Moortel e uma banda sonora pungente de Irène Drésel, repleto de sintetizadores opressivos que espelham o tumulto e dificuldades da nossa protagonista. Tudo conspira para transformar este drama social num dos melhores thrillers do ano, ancorado numa interpretação magnífica de Laure Calamy. Quando o final chega e a tensão acumulada se liberta, vemos o quão perto todos estamos do abismo e de cair no desespero. Aconselha-se um tempo de relaxamento prolongado após a visualização deste filme.

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