Ao ouvir este título é inevitável não pensar em Xutos e Pontapés. Uma das suas mais icónicas canções que era muitas vezes usada para fechar os seus concertos porque era divertida de tocar como muitas vezes dizia Tim, vocalista e baixista da banda. Mas o que muita gente não sabe é que este é um cover do tema original cantado por Milú, em 1943, num dos clássicos da era de ouro do cinema de Portugal – O Costa do Castelo (1943) de Arthur Duarte. Assim como os Xutos e Pontapés modernizaram o som do original de uma orquestra para o uso de baixo, guitarra, sintetizadores e bateria também António Sequeira quer mostrar o que é ser português, nos dias de hoje, com a sua própria versão de A Minha Casinha.
Nesta alegre casinha moram Susana (Elsa Valentim) e Octávio (Miguel Frazão), os pais, e Tomás (Salvador Gil) e Belinha (Beatriz Frazão), os seus filhos. Vivem no interior do país, numa vida pacata e sossegada, em vésperas da viagem de Tomás para estudar fora do país. Com a sua partida nada mais será como antes, levando cada um dos membros da família a reflectir sobre as suas aspirações, frustrações e os medos que os prendem à sua vida. Uma ode ao espírito imigrante português, para os que ficam e para os que voltam sem nunca terem partido.
Voltarei a repetir-me, quando falo de filmes portugueses, pois não há volta a dar neste tema tão importante para a cultura no nosso país. Nunca houve tanta variedade de temáticas e de maneiras de fazer cinema na cinematografia portuguesa como nos dias de hoje. António Sequeira opta por estruturar o argumento durante os períodos de férias de Tomás quando este regressa a casa, dividindo-o de acordo com as estações do ano. Essa fracturação na história resulta bem na revelação do crescimento de cada uma das personagens pelos olhos daquele que emigrou. Essa mutabilidade demora muito tempo a revelar-se e, com isso, quase perde o espectador no processo. Já não conseguimos, a certo ponto, mais ouvir Octávio, interpretado por Miguel Frazão, em mais um ditado popular ou a frase que parece repetir até à exaustão “Se eles estão felizes eu estou feliz”. Até que num momento chave, que “salva” o filme, já nem ele próprio acredita. A introdução de um elemento estranho à família nuclear despoleta uma reacção em cadeia deixando cair a ideia de um “felizes para sempre”, onde as emoções vêm ao de cima. Este enfrentar da realidade e do que nos torna humanos revela os seus sentimentos menos nobres e torna as personagens em carne e osso, como nós. Tudo parece, finalmente, fazer sentido e explicar aquela bolha inicial de felicidade como uma mentira usada para congelar a realidade de um tempo que nunca mais vai voltar. Elsa Valentim, no papel de Susana, é a primeira a enfrentar a realidade e é por isso a personagem mais completa. É a única sempre com os sentimentos à flor da pele e representa a mãe portuguesa que sacrifica a sua felicidade pela da sua família. Elsa reveste Susana de uma resiliência inabalável e damos por nós a torcer para que tudo dê certo para ela. Aqueles olhares de tristeza em direcção ao infinito, com que vê as partidas dos filhos, só não vão quebrar o mais insensível de entre vós. Todos os restantes elementos da família encontram tarde a sua personagem ou nunca a encontram, como no caso de Salvador Gil, no papel de Tomás. Talvez por ser o elemento sempre longe, e por isso com menos tempo para a descobrir, deixando-nos indiferente ao seu destino. Beatriz Frazão, no papel de Belinha, tem um pouco mais de oportunidade de revelar a sua “verdade” mas falta-lhe a intensidade necessária para acreditarmos nela. Miguel Frazão tem momentos lindíssimos, partilhados com ambos os filhos, quando caí a fachada brincalhona e explora os seus sentimentos e o poder do silêncio. Mas são poucos e só bem perto do final, o que é pena.
Em termos visuais consegue dar mais do que qualquer telenovela actual mas não o suficiente para fugir da sua sombra e manifestar uma verdadeira identidade cinematográfica. Tem momentos bonitos no uso de repetição de planos, quando se vê a mudança de estações, e no uso de portas e molduras a delimitar a acção, principalmente nos regressos das personagens. Aliás os mais bonitos planos estão quase todos nos momentos de partida e chegada com o comboio sempre como pano de fundo. Há um exagerado uso de música para preencher os silêncios tal é o medo de deixar o vazio, que era importante explorar mais, principalmente no final do filme.
Como as personagens de A Minha Casinha o filme encontra-se quando a verdade vem ao de cima despida dos provérbios populares e frases feitas e se centra nos sentimentos escondidos para lá de uma felicidade superficial. O novo olhar sobre a família nuclear portuguesa de António Sequeira é emocional e ternurento mas parece parado num tempo que já não é o de agora.